New York Encounter. Ontem "é" hoje
Da biografia em inglês de Giussani à vida de Margaret e de seus amigos. E, ainda, testemunhos e temas de todo o mundo, exposições, espetáculos... Diário do evento organizado por Comunhão e Libertação em Manhattan de 12 a 14 de janeiro«Você percebeu que se passaram duas horas? Nem me dei conta. Ficaria ali para sempre... ». Quando Teresa Landi, pesquisadora e uma das figuras centrais do New York Encounter, ouviu as palavras de Mark, um rapaz alto do Michigan que saía do salão de boca aberta, pensou imediatamente no que tinha acontecido a ela e aos seus amigos muitos anos atrás, diante de Dom Giussani, que proferia a palestra Reconhecer Cristo: «A mesma razão. Um silêncio pleno. E a impressão de que o tempo tinha voado» enquanto a vida inteira se concentrava ali, tal o poder daquele testemunho. Era 1994, mas, agora, acontece novamente no Metropolitan Pavillion de Manhattan, entre pessoas que em sua maioria nunca viu Giussani, no entanto, o percebe como companheiro. Mais que isso, «pai, porque ama o meu destino», como disse Margaret, universitária, em um dos momentos mais intensos do evento cultural norte-americano.
O “NYE”, como dizem aqui, está em sua décima edição. Título: "An 'Impossible' Unity", uma unidade que parece impossível porque o que impera na sociedade de hoje é a divisão, a distância, o desligamento, não só entre as pessoas, mas nas pessoas, no eu.
Em um fim de semana aconteceram 23 encontros, 5 exposições e um espetáculo por noite, além de milhares de abraços e diálogos entre pessoas vindas de todo o mundo, e culminou no Encontro final: a apresentação do livro The Life of Luigi Giussani, a edição em inglês da biografia escrita por Alberto Savorana, que foi traduzida pela Editora Universitária McGill-Queen’s. No palco, junto com o autor, estão testemunhas que conheceram muito bem o fundador de CL. Começando por padre Julián Carrón, o sucessor na responsabilidade do Movimento, que abriu a noite com uma saudação significativa: «Este livro retrata o método de Giussani: a experiência. Dá voz ao próprio Giussani, à sua história, fazendo emergir um “eu” totalmente humano. Mostra a riqueza, a profundidade que pode alcançar um homem que aceita ser atraído por Cristo. E permite descobrir a natureza do cristianismo». Porque neste mundo em que, como dizia Péguy, perdemos a capacidade de nos maravilhar, «Giussani mostra como só a presença de Cristo pode despertar o eu, pode dar uma plenitude, uma realização inimagináveis. Sem isto, a vida se torna apática... ».
Savorana faz uma introdução («A vida de Giussani é um percurso histórico e de autoconsciência. Ele aprendeu tanto com o passar do tempo, que certa vez disse: “Para mim a história é tudo, aprendi com a história...”») e, depois, apresenta os convidados. Cinco colocações sobre a história que nasceu do carisma de Giussani. Padre Pigi Bernareggi, missionário no Brasil, estava entre os primeiros estudantes do Berchet tocados por aquele homem que tornou «Deus o coração da vida, o centro e a atração de tudo: seguindo Giussani aprofundei a certeza de que Ele existia e era pai para mim”; Pier Alberto Bertazzi, médico, fala sobre o período de 1968, quando Gioventù Studentesca se torna CL, e sobre o que preocupava Giussani («não queria nos passar uma série de instruções sobre como sermos bons cristãos, mas queria que percebêssemos uma Presença: o resto seria consequência»); Rose Busingye, responsável pelo Meeting Point de Kampala, em Uganda, fala da vocação que nasceu com o encontro com ele («me disse: mesmo que você fosse o único ser humano no mundo, Deus teria vindo por você. O seu nada não está mais perdido. Naquele momento, comecei a viver»); Jonathan Fields, musicista americano, cuja «vida floresceu porque descobri que o meu ser nada não é inimigo, há alguém a quem posso gritar, pedir». Shodo Habukawa, monge budista, faz uma saudação via vídeo: «Foi um presente caminhar com Dom Giussani em busca da verdade. Para mim, ele ainda é uma presença». Depois, Savorana chama ao palco Margaret que, junto com um grupo de universitários como ela, organizou uma exposição sobre Giussani. E conta por que, mesmo sem nunca tê-lo visto, o sente como pai, hoje: «Ele me ajuda a viver».
«Margaret, junto com um grupo de universitários como ela, organizou uma exposição sobre Giussani. E conta por que, mesmo sem nunca tê-lo visto, o sente como pai, hoje: "Ele me ajuda a viver"»
Palavras que eliminam tempo e espaço. E ajudam a colocar em evidência um primeiro elemento nessa busca de unidade. «Para recompor a humanidade, para despertar o “eu”, é preciso que um acontecimento se dê agora», observa Angelo Sala, um dos organizadores do NYE. De algo – alguém – presente agora. «Que torne possível o que era impossível», como dizia Bertazzi. Aí está: o Encounter, no fundo, foi um festival desse acontecimento.
Começou com um tributo a Steven McDonald, o policial que passou a vida em uma cadeira de rodas depois de ser baleado por um assaltante. Um herói, para os nova-iorquinos. «Um testemunho», para o Cardeal Timothy Dolan, e não só para ele. McDonald deveria estar aqui este ano, porém morreu poucos dias antes do Encounter 2017. No palco, está o filho Conor, também policial desde 2011. Fala daquilo que seu pai sempre falou, durante trinta anos: perdão e amor. «Só é possível viver assim», dirá a mãe àqueles que a procuram no fim do encontro. «Para mim, ele foi um grande exemplo do que aconteceu outras vezes, nestes dias», diz Angelo Sala: «O emergir de uma vida plena, unida, que vai na contramão da mentalidade dominante. Steven teria sido um clássico caso daqueles citados por quem defende a eutanásia. No entanto, foi muito útil ao mundo simplesmente aceitando a sua condição. É isto que torna a vida útil: a consciência que você tem de si».
Este é um ponto que emergiu em muitos Encontros. Falou-se sobre o “fator humano” como coração da economia (muito bonita a colocação de Dom Silvano Tomasi, do Dicastério Pontifício para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral) e sobre educação (com os responsáveis do ReConnect Brooklyn, obra que recupera jovens com risco de delinquência); sobre poesia e cinema; sobre a sociedade americana (também esteve presente Amitai Etzioni, renomado sociólogo judeu que há apenas três meses apresentou Disarming Beauty, de Carrón, definindo-o como “o livro mais interessante dos últimos vinte anos”) e sobre “Quem é o pai?” , um painel onde, ao lado de estudiosos e acadêmicos (como Dominic Aquila, reitor da St. Thomas, de Houston, e pai de onze filhos...), destacou-se a palestra de Camil Martinez, doutoranda da Business University de Maryland e “filha espiritual” de Lorenzo Albacete, o teólogo amigo de Dom Giussani a quem o New York Encounter e CL nos USA devem muito.
«O tema do pai é outro tema que emergiu com frequência», sublinha Angelo: «Muitos falaram sobre isso, diretamente ou não. É um ponto nevrálgico, e percebemos isso no decorrer da preparação do Encounter: quando tornou-se evidente que o coração de tudo, também da divisão que marca a sociedade, é a falta de unidade do eu, ficou claro como é urgente nos redescobrirmos como filhos». Basta olhar como Etsuro Sotoo, o escultor da Sagrada Família, no diálogo com John Waters falou do seu relacionamento com Gaudí e de como a perspectiva de tudo mudou quando começou «a olhar para onde ele olhava»; ou para o espetáculo de sábado à noite dedicado justamente à Paternidade (o espetáculo da sexta foi inspirado em Martin Luther King).
Depois, as exposições. Uma foi sobre a imigração, tema quentíssimo também por estas partes e ainda mais desde que Donald Trump começou a mudar de ideia continuamente sobre os muros, vistos de entrada e destino dos dreamers. Aqui no Encounter trataram o assunto da maneira mais simples: apresentando fatos (os números e o contexto). E histórias: uma série de entrevistas em vídeo sobre quem acolhe os migrantes e, na acolhida, descobre algo mais sobre si. Tema caro também a Dorothy Day, a ativista social e alma do Catholic Worker, revista-movimento que marcou a América do século passado. Para o Cardeal Dolan, o Arcebispo de Nova York e convidado fixo do NYE, é «uma santa do seu tempo, porque mostra que a fé é inclusiva, não para excluir».
Os jovens que trabalham como guias também acompanham a Mostra na «Tenda de Abraão, onde todos são bem vindos». Foi pensada para as crianças, mas fala a mesma língua de um dos encontros mais esperados do NYE: «Abraão e o nascimento do eu». No palco, Joseph Weiler, advogado judeu que sempre foi amigo do evento (este ano também aconteceu uma mostra fotográfica sua); monsenhor Christophe Pierre, núncio apostólico nos Estados Unidos (muito interessante o seu percurso sobre o que permite o encontro entre homens de crenças diferentes); e Sayyid al-Kashmiri, muçulmano xiita. «Quando fomos encontrá-lo para falar sobre o Encounter deveria ser uma reunião de vinte minutos”, contam os organizadores: «Ficamos lá por quatro horas. Ele queria saber tudo sobre nós, sobre Giussani, sobre CL...”. Nos três dias do Encounter ele era visto com frequência andando com seus assistentes, olhando, perguntando. «No final, nos mandaram uma mensagem dizendo que nunca se sentiram tão acolhidos”, disse Teresa.
A outra exposição foi sobre Dom Giussani. O título já era conhecido, foi usado alguns anos atrás: “Da minha vida à vossa”. O conteúdo, não. Foi organizada pelos jovens do CLU, os universitários de CL: cerca de quarenta, espalhados – como Margaret – pelos Estados Unidos e Canadá. Três encontros, muitas chamadas por vídeo e meses de trabalho para desenvolver um percurso que impressiona: a vida de Dom Giussani ajuda a perceber a própria. Mostram isso contando fatos, episódios e encontros (um diálogo esclarecedor com um amigo, a dificuldade da solidão, a descoberta de uma profundidade inesperada no estudo...) que estão retratados nos banners junto com excertos onde o fundador de CL fala sobre a sua experiência. Ontem é hoje, sem distância. Na verdade, sob alguns aspectos é ainda mais, «porque a consciência, pouco a pouco, cresceu», explica Riro Maniscalco, presidente do Encounter, repercorrendo estes dez anos de história enquanto atrás dele passa um mar de carrinhos.
Os jovens são muitos, aqui. Muitas famílias, muitos estudantes. Boa parte deles (370, este ano) são voluntários, motor e coração de uma máquina que já se tornou complexa e é montada e desmontada rapidamente. Mas há também muitos padres jovens, com menos de 30 anos. «Vieram 48 seminaristas, já se tornou um costume eles cuidarem da missa do domingo», diz Olivetta Danese, secretária geral do Encounter. A missa é celebrada pelo Cardeal Sean O’Malley, Arcebispo de Boston, que não perde um encontro. Assim como Dolan e outros bispos, americanos ou não. «É uma das coisas que mais me fizeram pensar este ano», diz Olivetta: «A disponibilidade com a qual nos acompanham e também participam do que acontece aqui. Poderiam fazer diferente, ou vir apenas por dever. Porém, há um laço muito forte. Somos filhos da Igreja, totalmente».
Monsenhor Pierre, o Núncio, ficou por aqui durante quase todo o tempo. Foi ele que, na véspera da abertura, entregou aos organizadores a mensagem do Papa Francisco, os votos de que «estes dias possam ajudar a aprofundar o desejo de verdade, beleza e justiça». Quando, no fim de um dos tantos diálogos sobre a América, lhe perguntaram: «que trabalho devemos fazer, que contribuição podemos dar?», ele pensou um pouco e respondeu: «Gostaria que colocassem fogo nesta sociedade». «Lembrei-me de Dom Giussani», conta Teresa: «Certa vez, falando conosco, que nos Estados Unidos éramos quatro gatos pingados, fez alusão a Catarina de Siena: “Se forem o que devem ser, colocarão fogo em toda a América”». Parece ontem, mas é hoje.#OutrosMeetings