Dom Mario Delpini, Arcebispo de Milão (Foto Franchino)

Delpini: «Dom Giussani, homem escancarado para a iniciativa de Deus»

Milhares de pessoas na catedral de Milão, no dia 26 de fevereiro, para a missa de aniversário da morte de Dom Giussani e do reconhecimento da Fraternidade de CL. Aqui está a homilia do Arcebispo Dom Mario Delpini, e a saudação de Pe. Julián Carrón
Mario Delpini

1. Percursos e tentações
Andam os homens e as mulheres de todos os tempos por situações complicadas, atravessam enredos de complicações, confusões de desejos, frustrações de afetos. Avançam os homens e as mulheres de hoje e de ontem em percursos ambíguos, em caminhos escorregadios, até a por vezes precipitarem. Vivem com uma mulher e desejam outra: contradizem-se, escondem-se, justificam-se, inventam razões e, por fim, são infelizes.
Casam-se, sonham um futuro, esperam filhos e veem-se estéreis, como Abraão e Sara: perguntam-se onde está Deus e por que seu bom desejo não encontra a via para tornar-se realidade e, por fim, são infelizes.
Ao errante infeliz, como são os homens e as mulheres de hoje e de ontem, apresenta-se antes ou depois a sedução da estrangeira, de que fala o livro dos Provérbios: seus lábios destilam o mel e mais untuosa que o óleo é a sua conversa; seu fim, porém, é amargo como o absinto e cortante como uma espada de dois gumes. A sedução da estrangeira sugere que a via da transgressão é mais promissora do que a via da fidelidade à lei de Deis, faz imaginar que seja mais fácil ser feliz agarrando o prazer imediato do que percorrendo a via da virtude, que seja um homem mais sábio o que contenta logo os seus caprichos, em vez do homem que continua a esperar, confiando na providência.
As seduções da mulher estranha persuadem para o compromisso, fazem parecer doce o fruto venenoso, prometem a satisfação fácil, no lugar da felicidade difícil.



2. A outra via
Mas o errante infeliz não está destinado inevitavelmente a ceder às seduções da estrangeira, porque para ele, para ela, para todos volta-se o olhar misericordioso de Deus, e, assim como na história de Abraão, a irrupção de Deus é uma surpresa, tão imprevista quanto intimamente desejada. O pacto de amizade fiel que Deus estabeleceu com Abraão abre um novo horizonte de fecundidade.
A irrupção de Deus conhece estradas plurais: cada um de vocês, bem como cada um dos discípulos do Senhor, pode contar a sua história, uma história original, e oferecer o seu testemunho, um testemunho comovente. Nós estamos reunidos esta noite para fazer memória e confessar a gratidão por essa ocasião de conversão, de despertar, de vocação a uma nova consciência que alcançou a muitos graças ao ministério e ao carisma de Dom Giussani. Monsenhor Giussani marcou com seu carisma o serem vocês discípulos de Jesus, o serem vocês pedras vivas na Santa Igreja de Deus.



3. O poder de gerar a vida
Vocês foram educados a reconhecer no acontecimento do encontro com Cristo a fonte inexaurível da paz, da letícia, da fecundidade humana e daquela inabalável tensão missionária que Paulo descreve como “fazer-se tudo para todos, a fim de conquistar alguns para Cristo”.
É uma paixão indômita a que lhes foi comunicada, uma paixão culturalmente sensível a todo e qualquer aspecto do humano, socialmente inclinada a responder a todo e qualquer grito, amante do risco educativo, politicamente desejosa apenas de servir gratuitamente o nosso povo, em todas as suas mais autênticas exigências e livres expressões.
A fidelidade a esta história, que germinou no coração de um homem, Dom Giussani, escancarado para a iniciativa de Deus, e que, com obstinação paciente e ternura, os arrastou a todos vocês no seguimento obediente do Mistério e os arrancou à “sedução da mulher estranha”, ou seja, à tentação de adequar-se à mundanidade. E agora, neste momento, é necessário vigiar para que o ardor do início, o contágio do impulso e da alegria, a genialidade das iniciativas não se deixem cansar pela história, não se reduzam à memória autocelebrativa dos feitos realizados, não se tornem vãos para subtrair-se ao trabalho de descobrir os desafios presentes, de reconhecer as inadequações e os erros cometidos, de reconstruir caminhos promissores para o bem de toda a Igreja e para uma presença significativa no presente em que se renova a aliança que salva.

Os cantos e as orações cotidianas de vocês acelerem o caminho de conversão neste tempo santo de Quaresma e acendam, com o jejum e a esmola, o desejo da santidade nos vossos corações.

Se as necessidades e as urgências que avançam e nos interpelam têm rostos e nomes novos, a capacidade de partilha original e comovente, própria de um coração que pertence a Cristo, sabe sempre onde encontrar formas e modalidades apropriadas de fazer-nos mais próximos dos mais pobres e abandonados, fazendo-os experimentar a hospitalidade e a acolhida familiar da comunidade cristã. O rosto maduro de Cristo na história é sempre identificável num sujeito comunional, consciente das próprias origens e educado para o dom comovido e gratuito de si. Por isso, as muitas necessidades das pessoas não dão medo e não geram sofrimento, ou pior ainda estranhamento e indiferença, mas são um convite a competir na caridade, a carregarem uns os pesos dos outros.



Caminhamos assim para a Páscoa: prevaleça na alvorada de cada dia a gratidão alegre pela vocação à qual fomos chamados e, até na fraqueza do nosso pecado, a Sua misericórdia anime os nossos passos e transfigure os nossos rostos, tornando-os sinais d’Ele. A cada passo nos acompanha Nossa Senhora, segurança da nossa esperança.


A saudação de Pe. Julián Carrón

Excelência Reverendíssima,
Desejo agradecer-lhe de coração, em meu nome e de todos os amigos do movimento de Comunhão e Libertação, ter querido presidir esta noite a Santa Missa no aniversário do reconhecimento pontifício da Fraternidade de Comunhão e Libertação e do nascimento ao Céu de Dom Giussani.
Desde os primeiros meses do início de seu ministério como Pastor da Arquidiocese ambrosiana, recebemos do senhor numerosos sinais de sua paterna solicitude, que o levou a encontrar tantas pessoas e realidades do Movimento.



Essa sua atenção é para nós fonte de comovida gratidão, mas principalmente forte chamado a manter viva a consciência de que o dom que recebemos, encontrando e o carisma de Dom Giussani e participando dele, urge a nossa responsabilidade a viver uma personalização dele cada vez mais profunda, para comunicá-lo e compartilhá-lo, a serviço e em benefício de toda a Igreja.

Neste instante desejo entregar em suas mãos a nossa disponibilidade a nos identificarmos com o seu coração de Pastor e a oferecer as nossas energias, em sintonia com a sua paixão por comunicar a todos a alegria do Evangelho, no seguimento inteligente e cordial do Papa Francisco, que nunca se cansa de pedir-nos que estejamos «centrados em Cristo» para vivermos como «Igreja em saída» para os irmãos homens, nenhum excluído, especialmente os mais necessitados e provados pela vida.

Obrigado por tudo, Excelência!


Transcrição da fala de Dom Delpini no final da celebração eucarística

Agradeço muito a Pe. Carrón essas palavras, agradeço a vocês todos a presença, a oração, o testemunho desta noite e o testemunho que vejo em muitos ambientes, em muitos lugares da nossa diocese. Digamos que, infelizmente, esta celebração cai na Quaresma, então não consigo conter-me em impor-lhes uma penitência quaresmal para viverem bem este tempo. Com a permissão de Pe. Carrón – a quem não pedi, de verdade, a permissão –, gostaria de impor-lhes esta penitência: ir, daqui até a Páscoa, ao túmulo de Dom Giussani, que fica no Cemitério Monumental, aqui em Milão, para fazer um momento de oração e pedir, por intercessão de Dom Giussani, a graça de que cada um de nós seja pedra viva da unidade da nossa Igreja diocesana. Pois bem, que cada um de nós colabore para a única Igreja desta diocese.

Talvez alguns de vocês digam: “Mas para mim é meio difícil dirigir em Milão, então... e além disso pode ser que perto do Monumental seja difícil encontrar vaga”, enfim, todas essas desculpas que vocês podem achar para se esquivar desta penitência. Então esta noite comovido com a vossa presença, estando de boa vontade, gostaria de fazer uma concessão. Pois bem, quem não puder ir até o túmulo de Dom Giussani daqui até a Páscoa, faça assim: vá à igreja da sua cidade, diante do altar de Nossa Senhora, recite uma Ave Maria e reze para que consigamos realizar aquela unidade na pluralidade de que tanto nos falou e a que nos exortou o cardeal Scola. Então, duas possibilidades de praticar esta penitência, que porém é obrigatória. Então tentem lembrar-se!