"Bem-vindo", um dos projetos da Avsi da Campanha das Tendas 2018/19

Tendas Avsi. “Bem-vindos” ao Brasil

No êxodo dos venezuelanos, a maioria atravessa a fronteira com o Brasil. Em Boa Vista, a Avsi atua num centro de primeiro acolhimento. Mas agora, com o apoio da Campanha das Tendas de Natal 2018/2019, quer acompanhar famílias inteiras na integração
Alessandra Stoppa

Eles viam, havia anos na TV, os refugiados sírios e nunca teriam imaginado que chegaria a vez deles. Dizem-no com frequência quando são entrevistados. Já são mais de dois milhões os venezuelanos que abandonaram o próprio país por não conseguirem sobreviver. A maior parte se põe em viagem para atravessar a fronteira com Roraima, o estado mais a norte do Brasil: as estimativas falam de quinhentas entradas ao dia só na cidade de Pacaraima. Eles sabem que, uma vez que entraram, terão de percorrer outros duzentos quilômetros para chegar à capital Boa Vista. E sabem que ali serão acolhidos. Nada mais, o resto é uma incógnita.

A fronteira entre Brasil e Venezuela

Em Boa Vista – que hoje acolhe 30 mil numa população de 375 mil – a Avsi, junto com a Unhcr gerencia quatro estruturas de acolhida, assistindo mais de 2.800 pessoas. Esses centros, feitos com tendas e pré-fabricados, não se chamam “campos de refugiados”, nem querem eles o status de “refugiados”. São, simplesmente, os venezuelanos em fuga. Famílias inteiras que chegam sem nada, desnutridas, que tinham uma vida mais do que normal, e agora não têm nem dinheiro para comer. Muito menos para pagar um voo para o Peru, para o Chile, para outros países onde possa encontrar ao menos a mesma língua. O Brasil fica como a meta mais acessível.

«A situação no nosso país é terrível, e nos últimos meses piorou», conta Maria, que chegou com sua família a Boa Vista: «Muitas pessoas pegam comida do lixo, não há eletricidade por dias. Nós já não tínhamos dinheiro para sobreviver. Não foi fácil abandonar tudo, mas tivemos de sair, aqui queremos começar uma vida nova». Para dar uma ideia, hoje na Venezuela uma pasta de dente custa 6 milhões de bolívares, quando um salário normal antes da crise era de 5 milhões. «Um senhor me mostrou uma nota e me disse: há quatro ou cinco anos, você comprava um carro com ela. Agora só um chiclete», explica Fabrizio Pelliccelli, responsável da Avsi Brasil.



Diante desse êxodo, a Avsi decidiu que não quer mais trabalhar só com o primeiro acolhimento – dando abrigo, alimentação e assistência médica –, mas pensou no “Bem-vindo”, que é um dos quatro projetos da Campanha Tendas deste ano, financiada também pelo Ministério do Trabalho e das Políticas Sociais italiano. O objetivo é acompanhar cerca de sessenta famílias na integração em outras cidades italianas, com a hospitalidade, aulas de português, iniciativas com as empresas locais para oferecerem empregos. A ação da Avsi faz parte de um programa de recolocação mais amplo, um projeto piloto de “interiorização” que prevê a transferência dos venezuelanos a outros estados, realizada com Unhcr e o governo federal.

A região de Roraima é muito isolada, a cidade grande mais próxima é Manaus, distante de setecentos quilômetros, também por isso é necessário que se desloquem e, nas novas cidades, não só lhes é dada uma estrutura ou uma casa onde viverem, além de escola para os filhos e assistência médica, mas também uma possibilidade de trabalho ou de formação profissional para o chefe da família. Nisto, é fundamental a colaboração com o setor privado: «Nós começamos com o acompanhamento de trinta venezuelanos no estado da Bahia», continua Pelliccelli, «onde graças a um empreendedor local, que foi selecioná-los em Boa Vista, dez deles partiram já tendo um contrato de trabalho».



Jarvis Enrique trabalha num supermercado de São Paulo. Tem 26 anos. Casou-se com uma jovem venezuelana, como ele, que conheceu num centro de acolhida. «Seu chefe o contratou porque nunca tinha visto uma pessoa com tanta vontade de recomeçar a vida, diz Pelliccelli. Foi justamente isso o que o marcou olhando para ele: «A migração dele é muito particular, ficaram pobres de repente. Mas você não vê nenhum pedido de assistencialismo: eles desejam ser autônomos, recomeçar uma nova vida como protagonistas. Pedem para ser acompanhados nos primeiros passos». Na maior parte dos casos se mudaram com a família toda, então têm como perspectiva a de ficar, tornar-se «mais um brasileiro», como eles dizem.

Num Brasil que, por sua vez, vive um tempo de crise e ficou abalado com as tensões das recentes eleições políticas, «é ainda mais notável o movimento de bem e de caridade que está sendo gerado», conclui Pelliccelli. E também quem está do outro lado do mundo pode se fazer próximo. Com efeito, o dinheiro arrecadado pelas Tendas vai servir para os primeiros passos das famílias venezuelanas, desde os alimentos até as aulas de português, passando pela formação profissional. Como diz a Campanha deste ano: «Nunca estamos longe demais para nos encontrar. Porque estamos debaixo do mesmo céu».