O Papa ao Meeting: «O segredo da vida: fixar o olhar em Jesus»

«Está entre nós Aquele que é a esperança da vida. Seremos “originais” se o nosso rosto for o espelho do rosto de Cristo ressuscitado». A mensagem de Francisco para a 40ª edição da feira de Rímini

Vaticano, 16 de agosto de 2019

A Sua Excelência Reverendíssima
Mons. Francesco LAMBIASI
Bispo de Rímini

Excelência Reverendíssima,

por ocasião do 40º Meeting pela Amizade entre os Povos, alegro-me por lhe fazer chegar, bem como aos organizadores, aos voluntários e a todos quantos nele participarão, a saudação e os melhores votos do Sumo Pontífice.

O tema escolhido este ano é retirado de uma poesia de São João Paulo II, que se refere a Verônica, que abre caminho entre a multidão para limpar o rosto de Jesus no caminho da cruz: «O teu nome nasceu daquilo que teus olhos fixavam» (K. Wojtyta, “III. Il nome”, in Idem, Tutte le opere letterarie, Milão, 2001, 155). O Servo de Deus Dom Luigi Giussani comentava assim este verso poético: «Imaginemos a multidão, Cristo que passa com a cruz, e ela que fixa Cristo e abre caminho entre a multidão olhando-o. Todos olham para ela. Ela que não tinha rosto, era uma mulher como as outras, conquistou nome, ou seja, rosto, personalidade na história, pelo que ainda a recordamos agora, por causa daquilo que fixava. [...] Amar é afirmar o outro» (La convenienza umana della fede, Milão, 2018, 159-160).

«Foi olhado e então viu; [...] se não tivesse sido olhado, não teria visto» (Santo Agostinho, Discursos, 174, 4.4), diz Santo Agostinho a propósito de Zaqueu. Esta é a verdade que a Igreja anuncia ao homem há dois mil anos. Cristo amou-nos, deu a sua vida por nós, por cada um de nós, para afirmar o nosso rosto único e irrepetível. Mas por que razão é tão importante que hoje volte a ecoar novamente este anúncio? Porque muitos dos nossos contemporâneos caem sob os golpes das provações da vida, e encontram-se sós e abandonados. E muitas vezes são tratados como números de uma estatística. Pensemos nos milhares de indivíduos que todos os dias fogem das guerras e da pobreza: antes de serem números, são rostos, pessoas, nomes e histórias. Nunca nos devemos esquecer disso, especialmente quando a cultura do descartável marginaliza, discrimina e desfruta, ameaçando a dignidade da pessoa.

Quantos esquecidos têm necessidade urgente de ver o rosto do Senhor para poderem reencontrar-se a si mesmos! O homem de hoje vive muitas vezes na insegurança, caminhando como que às apalpadelas, estranho a si mesmo; parece já não ter consistência, tanto assim que facilmente se deixa tomar pelo medo. Mas, então, que esperança pode existir neste mundo? Como pode o homem reencontrar-se a si mesmo e reencontrar a esperança? Não o pode fazer apenas com um raciocínio ou uma estratégia. Eis então o segredo da vida, o que nos faz sair do anonimato: fixar o olhar no rosto de Jesus e ganhar familiaridade com Ele. Olhar Jesus purifica a vista e prepara-nos para olhar para tudo com olhos novos. Encontrando Jesus, olhando para o Filho do homem, os pobres e os simples reencontravam-se a si mesmos, sentiam-se amados profundamente por um Amor sem medidas. Pensemos em quando o Inominado de Os noivos se encontra diante do cardeal Federigo, que o abraça: «O Inominado, soltando-se daquele abraço, cobriu novamente os olhos com uma mão e, levantando junto a face, exclamou: “Deus realmente grande! Deus realmente bom! Agora eu me conheço”» (A. Manzoni, I promessi sposi, Milão, 2012, 481). Também nós fomos olhados, escolhidos, abraçados, como nos recorda o profeta Ezequiel na fantástica alegoria da história de amor com o seu povo: «Eras filha de estrangeiros, tinhas sido posta de lado; mas eu passei, limpei-te e trouxe-te comigo» (cf. Ez 16). Também nós éramos “estrangeiros”, e o Senhor veio, deu-nos uma identidade e um nome.

Numa época em que as pessoas muitas vezes não têm rosto, são figuras anônimas porque não têm ninguém em quem pousar o olhar, a poesia de São João Paulo II relembra-nos que nós existimos enquanto estamos em relação. O Papa Francisco gosta de sublinhá-lo, referindo-se ao Evangelho da vocação de Mateus: «Um dia, como outro qualquer, estava ele sentado no posto de cobrança de impostos, quando Jesus passou, viu-o, aproximou-Se e disse-lhe: «Segue-me». E ele, levantando-se, seguiu-O. Jesus olhou para ele. Que força de amor teve o olhar de Jesus para mover assim Mateus! Que força deviam ter aqueles olhos para o levantar! [...] E Jesus parou, não passou ao largo acelerando o passo, olhou-o sem pressa, olhou-o com calma. Olhou-o com olhos de misericórdia; olhou-o como ninguém o fizera antes. E aquele olhar abriu o seu coração, fê-lo livre, curou-o, deu-lhe uma esperança, uma nova vida» (Homilia, Praça da Revolução, Holguín [Cuba], 21 de setembro de 2015).

É isto que torna o cristão uma presença no mundo diferente de todas as outras, porque leva o anúncio de que – sem o saberem – os homens e as mulheres do nosso tempo mais têm sede: está entre nós Aquele que é a esperança da vida. Seremos “originais” se o nosso rosto for o espelho do rosto de Cristo ressuscitado. E isto será possível se crescermos na consciência a que Jesus convidava os seus discípulos, como daquela vez depois de os ter enviado em missão: «Os setenta e dois voltaram cheios de alegria» pelos milagres realizados; mas Jesus disse-lhes: «Alegrai-vos, antes, porque vossos nomes estão inscritos nos céus» (cf. Lc 10,20-21). Este é o milagre dos milagres. Esta é a origem da alegria profunda que nada nem ninguém nos pode tirar: o nosso nome está escrito nos céus, e não graças aos nossos méritos, mas graças a um dom que cada um de nós recebeu com o Batismo. Um dom que somos chamados a partilhar com todos, sem excluir ninguém. É isto o que significa sermos discípulos missionários.

O Santo Padre Francisco deseja que o Meeting seja sempre um lugar hospitaleiro, no qual as pessoas possam “fixar os rostos”, fazendo experiência da sua própria inconfundível identidade. É a maneira mais bonita de festejar este aniversário, olhando em frente sem nostalgias ou medos, sempre sustentados pela presença de Jesus, imersos no seu corpo que é a Igreja. Que a memória grata destas quatro décadas de empenho espontâneo e de criativa obra apostólica possa suscitar novas energias, para o testemunho da fé aberto aos vastos horizontes das urgências contemporâneas.

Sua Santidade invoca a proteção maternal da Virgem Maria e de todo o coração envia a Bênção Apostólica a Vossa Excelência e a toda a comunidade do Meeting.

Acrescento a minha saudação pessoal e aproveito a circunstância para me subscrever obsequiosamente

de Vossa Excelência Reverendíssima
dev.mo
Pietro Card. Parolin
Secretário de Estado