Manifestações em Washington

EUA. A resposta à impotência é uma presença

A morte de George Floyd, as manifestações e os debates sobre racismo. Mas o que está em primeiro plano é uma grande «necessidade de viver, respirar». Uma contribuição do site CatholicPhilly.com
José Medina*

Um grito profundamente humano ecoa pelas nossas cidades. Mais uma vez, homens e mulheres de cor temem ser mortos indiscriminadamente por aqueles que têm a função de protegê-los e servi-los. Sentem-se impotentes.

Kareem Abdul-Jabbar explica isso numa contribuição publicada no Los Angeles Times: «Vendo os manifestantes negros na era de Trump e do Coronavírus, temos de nos dar conta de que são pessoas levadas ao limite, não porque queiram bares e salões de beleza abertos, mas porque querem viver, respirar».

Todos nos sentimos impotentes.

Um jeito comum de atenuar a impotência é identificar um inimigo e pensar em maneiras para levá-lo à submissão. Entrar na briga restaura a sensação de poder. Se não estamos na linha de frente, podemos ter a sensação de poder tuitando ou simplesmente comentando os males da sociedade.

Los Angeles

No entanto, isso não responde adequadamente ao grito dos manifestantes. A humilhação pública que se seguiu ao vídeo viralizado da reação de Amy Cooper a Christian Cooper, um homem negro no Central Park, não contribuiu para a erradicação do racismo.

Martin Luther King Jr. disse uma vez que poderíamos matar o assassino, mas não conseguiríamos eliminar o assassinato. A convicção de que liminar toda e qualquer pessoa racista violenta vá derrotar o racismo desconsidera um fato incontroverso: todos nós desejamos viver, e todos somos violentos, e até racistas.

Como disse King: «Há algo em cada um de nós que nos faz gritar com Goethe: “Há bastantes coisas em mim para fazer-me um cavalheiro e um velhaco”».

Todos nós desejamos viver, ser amados – e esses desejos não são estranhos nem ao policial que matou George Floyd. E somos todos violentos, com quem não conhecemos, e até com quem amamos.

Se formos honestos, podemos reconhecer em nós a mulher do parque, o policial e o manifestante violento. Isso aparece nos nossos posts de Facebook e Instagram, mas saímos impunes porque ninguém os registra.

Independentemente da condição social, da raça ou da religião, apesar do que fizemos ou somos capazes de fazer, todos nós temos em comum esse grito de protesto. Queremos viver, e não sabemos como. O que pode responder a esse grito humano?

Em 2017, Richard Preston, na época Mago Imperial do capítulo de Maryland da Ku Klux Klan, atirou contra um homem de cor durante os protestos em Charlottesville, em Virgínia. Em vez de condenar Preston drasticamente, Daryl Davis, um homem de cor, decidiu virar amigo dele, como fizera com muitos outros membros da KKK.

Um ano depois, a noiva de Preston convidou Davis a acompanhá-la ao altar em seu casamento. Como King, Davis acredita que só o amor tem o poder redentor de transformar homens e mulheres das mais “recalcitrantes” tendências. Sua ação evoca as palavras de King: «As trevas não podem espantar as trevas, só a luz pode fazê-lo. O ódio não pode espantar o ódio: só o amor pode fazê-lo».

Muita gente é cética em relação à atitude de Davis, muitos acham que a posição dele é inadequada no enfrentamento dos problemas endêmicos da nossa sociedade.

Durante um debate acalorado na reportagem “Accidental courtesy”, do Public Broadcast Service, Kwame Rose, um ativista do movimento Black Lives Matter, disse a Davis: «Pare de desperdiçar seu tempo entrando na casa das pessoas que não te amam». Mas a “presença” de Davis misteriosamente muda as pessoas.

Nos dias passados, comoveram-nos as imagens de agentes de polícia escutando aquele grito, unindo-se aos manifestantes, lendo as listas das pessoas mortas ou ajoelhando-se juntos em sinal de solidariedade pelas vítimas da violência ou do racismo.

Vimos como a resposta à impotência não é o poder, mas uma “presença” capaz de comunicar com o suposto inimigo. Se falta uma presença, a nossa impotência é assustadora.

A contribuição construtiva que podemos oferecer-nos uns aos outros neste momento dramático é escutar o grito, não escondê-lo por trás de soluções apressadas e compartilhar a nossa experiência de alguém que responde à nossa impotência e desperta a nossa humanidade. Só homens e mulheres conscientes de terem sido resgatados por uma presença é que poderão dar a vida a leis melhores e estruturas sociais mais humanas.

CatholicPhilly.com, 9 de junho de 2020

*Responsável de CL nos Estados Unidos