Onde a vida se enche de algo novo
Meninos estrangeiros que vivem num centro de acolhida, senhoras de passagem, uma recém-formada curiosa… São apenas alguns das dezenas de encontros ocorridos na exposição montada no centro de Milão pelas Famílias para a AcolhidaMilão, Corso Garibaldi, uma das ruas elegantes da cidade. A Biblioteca Humanística quatrocentista da paróquia de Santa Maria Incoronata é um constante vai e vem de pessoas que visitam a exposição “Não como, mas o quê. A surpresa da gratuidade”, organizada pelas Famílias para a Acolhida de 26 a 29 de outubro. Foi inaugurada em Rímini no Meeting 2022 pelos quarenta anos da associação e agora está circulando pela Itália. Turistas, transeuntes, grupos de milaneses, uma humanidade variada muitas vezes simplesmente curiosa pela novidade da proposta: as obras de 14 artistas famosos envolvidos com a experiência da acolhida familiar. E, como alguns desses mestres moram em Milão, suas obras foram expostas em original – e não reproduzidas em painéis – neste lugar belo e capaz de atrair muitas pessoas.
Na primeira noite, entra um grupo de jovens estrangeiros. São menores desacompanhados hospedados num centro de acolhida no bairro Bonola. Albaneses e kosovares. «Não conhecíamos os educadores que os trouxeram nem entendemos como souberam da exposição, provavelmente por colegas», conta Paola Brizzi Trabucco, uma das voluntárias que serviu de guia aos visitantes: «Apenas um falava um pouco de italiano. Era uma das minhas primeiras visitas guiadas e eu tentava me expressar de forma simples, acompanhando-os pelo percurso da exposição sem abrir outras feridas. Mas foram eles que me surpreenderam, fazendo-me notar detalhes das obras que eu não tinha percebido, mesmo tendo colaborado na realização. No quadro central de Luca Gastaldo, por exemplo, predomina a escuridão com um raio de luz que permite vislumbrar um prado e uma casa. Um rapaz me fez descobrir que na pequena faixa de campo iluminado podiam-se ver flores vermelhas: eu não as tinha visto antes! Ele ficou impressionado que onde há uma casa, até as flores à noite são visíveis e a vida se enche de algo novo. Antes de sair, o rapaz escolheu um marcador de livro com aquele detalhe».
Outros paravam diante da fotografia de Claudio Tadiotto que retrata um pai, uma mãe e dois filhos correndo numa praia de inverno de mãos dadas. «Apenas as duas pessoas nas extremidades têm os pés no chão, as do meio não, correm pulando. Um dos meninos observou que eles criavam como uma ponte, uma ligação entre duas margens: exatamente o que eles procuravam, longe de casa num país desconhecido. E então foram tocados pela alegria dos rostos, especialmente o da mãe: devem ter conhecido muito poucas mulheres felizes», observa Paola: «Eu mesma contei sobre o prazer da acolhida que experimentei quando tive em casa uma jovem maior de idade em hospitalidade».
Assim, uma exposição de aniversário se tornou a maneira de comunicar o encanto pela própria vida hoje. «Um dia expliquei a exposição a um grupo que estava no início das Famílias para a Acolhida», continua Paola: «O que eu poderia dizer a pessoas assim? Eles é que deveriam ser os guias para mim. No entanto, me escutavam como se algo novo estivesse acontecendo com eles. E eu entendi que a experiência vivida não era certamente uma “lembrança devota”».
A maioria dos visitantes, porém, não conhecia a associação. Pessoas que chegaram por acaso à Incoronata. «Muitas senhoras da paróquia ou aposentadas de passagem», explica Angela Penzo Fabris, outra voluntária: «Pessoas que sabem bem o que é criar um filho, acolher o outro, aceitar as diferenças. Perdoar. E também reconhecer as próprias inadequações. Algumas se emocionavam ao relembrar o seu passado e o que significa ser mãe ou avó».
As meninas e mulheres mais jovens, por outro lado, questionavam-se sobre o desconhecido que entra numa casa quando chega um filho, quer natural, de acolhimento ou adotado. «Uma criança é para todos um mistério que revira a vida», acrescenta Angela: «Uma recém-formada chegou porque tinha acabado de defender sua tese sobre inclusão: estava lá por estudo, mas ficou impressionada com a questão humana levantada pela exposição e começou a questionar-se. Outra, ao final da visita, perguntou-me se é realmente verdade que você não está sozinho quando acolhe. Ali percebi que para nós é evidente o companheirismo que nos sustenta, e que sem essa ajuda não poderíamos fazer nada. Fiquei contente que os visitantes da exposição, de alguma forma, também tenham sido alcançados. “Vocês são sortudos por terem amigos assim”, alguns me diziam. É verdade, é algo que não depende de nós. Quanto mais você conta como nos apoiamos, mais percebe que essa diversidade visível é algo de outro mundo».