Juventude e ideal. Um caminho até o destino
Alguns trechos de Dom Giussani que ajudam a aprofundar as palavras de Davide Prosperi no artigo publicado no "Corriere della Sera" de 24 de dezembro«O ideal não é um discurso, mas ter ao seu lado uma realidade humana»
O que importa não são os problemas – o problema de ganhar três bilhões, investindo trezentos milhões, ou de ter um relacionamento estável com a garota –, mas algo maior. Esse algo maior começa a se delinear com a palavra «destino». O que salvo do meu jogo com o dinheiro ou o que salvo no meu esforço atrás da garota é o meu destino […].
«O que salvo do meu gesto é o meu destino». Mas aqui há uma alternativa, que foi dita na mesma fala. «Tu queres o teu destino e então te tornarás isso: moralismo», o destino concebido como algo desejado e criado por você. Assim, na questão do dinheiro como na questão da garota, o destino, que é o que importa, tu o criarás. Mas isso é um moralismo velho e vazio […]. Em vez disso, aqui está a alternativa: outra coisa te deu a vida, o gosto pela operosidade, o gosto pela afetividade; outra coisa te deu a vida, não és tu quem define o destino, mas é do destino que nasce esta possibilidade de jogo de azar no campo econômico e esta possibilidade de jogo de azar no campo afetivo. Outra coisa te deu a vida, por isso o destino coincide com o ideal. O ideal, pelo qual tu palpitas em última instância, pelo qual tu te moves em última instância, está ligado ao destino, na verdade, é a mesma coisa: ideal e destino. A possibilidade de carreira que brilhou diante de ti foi dada: o ideal é o destino, e o palpitar que o rosto da garota que passou furtivamente por ti no bonde suscitou em ti foi dado: por isso o ideal que foi despertado em ti é destino.
[…] Mas a palavra «ideal», que, portanto, une o destino ao palpitar do coração, não é um discurso, um discurso mental, como uma imaginação antes de adormecer à noite, um discurso feito de palavras, talvez sustentado por citações poéticas; «não é um discurso, mas ter ao teu lado algo humano, uma realidade humana». O ideal não é um discurso, mas ter ao teu lado uma realidade humana. Notem que é muito importante a conexão entre ideal e destino. Eu mencionei apenas brevemente, porque não quero esgotar os pensamentos que vocês devem conquistar. Digo simplesmente que o que desperta o teu gesto (afetividade, interesse, curiosidade) é destino, caso contrário, eu nem teria visto. Mas, na medida em que desperta um interesse, o destino conecta-se ao teu coração. Portanto, a palavra «ideal», repito, é o destino na medida em que se conecta ao coração. Se se conecta ao coração, não pode ser um discurso, mas «ter ao teu lado algo humano», uma pessoa, como vocês disseram na assembleia, ou, digamos com outra palavra, uma «presença». […] Agora, o ideal e o destino não são um discurso, mas algo que está ao lado, algo humano, que já está lá. Bem, «graças a cada um de vocês, aprendi o nome dele: Cristo».
[…] O problema é o da relação existencial entre ti e este Cristo ou, o que é o mesmo, que se torne relação existencial aquela entre ti e a realidade que Ele produz, isto é, a comunidade, a companhia: relação existencialmente pessoal entre ti e a companhia. Mas é o mesmo: o problema da relação pessoal, existencial, com algo maior, ou seja, com Cristo, é que o motivo do fenômeno que descrevemos deve descer como uma lâmina dentro do teu coração, dentro de ti, dentro da tua autoconsciência, dentro do sentimento de ti mesmo, dentro da consciência do teu eu, quer segures o braço de uma garota ou um monte de dinheiro ganho no trabalho.
De L. Giussani, Qui e ora (1984-1985), Milão: BUR – L’Equipe, 2009, pp. 196-216
LEIA TAMBÉM - O artigo de Davide Prosperi. «Os jovens e o Natal: um ideal no qual apostar»
«Estamos juntos por algo maior do que nós»
Ideal e utopia não são a mesma coisa. Utopia é uma palavra que representa, para os intelectuais, o que para os jovens é o sonho. A utopia tem, além disso, a desvantagem de estar cheia de presunção; o sonho tem, pelo menos, algo de melancolia, o que – como dizia Dostoievski – é melhor do que muitas «satisfações». Mas, tanto o sonho como a utopia, nascem dentro da cabeça, da imaginação. Em contrapartida, o ideal é o centro da realidade. O ideal é aquela satisfação na qual lanças o coração, algo de infinito que se realiza em cada instante. Como um caminho que tem uma meta distante, e que tu ao per corrê-lo, passo a passo, já a tornas presente. Assim também o ideal muda a vida, momento a momento. Pode mudá-la aos sessenta anos de maneira mais sugestiva do que aos vinte, porque o ideal vai-se tornando mais evidente, mais potente. […] A palavra Deus é igual a Ideal. Escreveu Gratry, esse grande filósofo francês do século XIX, que todo o ideal verdadeiro remete para Deus. O ideal distingue-se do sonho porque nasce da natureza, nasce no coração do homem. Por isso não atraiçoa. Segue-o, pois não te atraiçoará. Ao contrário, o sonho e a utopia levam-te para fora da vida.
[…] Para nos mantermos jovens é necessário que permaneçamos fiéis àquilo para que nascemos, ao nosso próprio coração. Mas o poder fixou todos os parâmetros, todas as tuas exigências, e as palavras que as reclamam têm já uma resposta no vocabulário do poder. Tudo parece então girar em função de quem detém o poder. Por isso junta-te a outros que queiram permanecer fiéis ao seu coração. Sê fiel ao teu coração e aos teus amigos e garanto-te que chegarás ao Pólo. Rapazes, temos que admitir que é uma coisa única que o Cristianismo diga que Deus se fez homem e permanece no meio desta companhia de amigos, para que a nossa juventude dure para sempre.
[…] Felizmente não nascemos e não caminhamos sozinhos em direcção ao nosso destino. Na montanha, quando não sabes o caminho, aceita a indicação do guia, aceita o outro. Peço-vos: não sejam tão cépticos que renunciem a manter-vos juntos, e não sejam tão surdos e obtusos que vos junteis apenas por causas acidentais. O acidental, ou é um passo em direcção ao destino, ou é um túmulo. Tudo se torna asfixiante como se se estivesse entre quatro paredes, ainda que o quarto pareça grande; Leopardi chama «quarto» ao mundo. Mas o homem é um ângulo aberto para o infinito. Por isso, juntemo-nos por causas que vão para além de que nós. Que haja sempre esta lança apontada às nossas costas que nos espicace: o amor ao ideal, ao destino.
De L. Giussani, Realidade e juventude. O desafio, Lisboa: Diel, 2003, pp. 27.30-31.
«Esse destino tem um nome na história: chama-se Jesus Cristo»
Gostaria, porém, de melhor clarificar e contrapor outros dois termos: sonho e ideal. O coração está feito para o ideal. O sonho esvazia a cabeça, depois de a ter enchido de nuvens. O ideal é ditado pela natureza e surge com o decorrer do tempo, se se seguirem as indicações que a natureza traz consigo. O ideal é antes de mais uma indicação da natureza: por exemplo, a exigência de amor ou a exigência de justiça. Tu não erravas ao fazer o que fazias por paixão pela justiça; erravas ao identificar como resposta à exigência de justiça aquilo que imaginavas tu. Ao contrário, a justiça pressupõe relações que a natureza estabelece. Não nos fizemos a nós mesmos, não nos fazemos nós próprios; as exigências que emergem do âmago da nossa personalidade, não fomos nós próprios que as construímos. Tu poderás construir uma determinada imagem da justiça. Mas esta imagem — que é aquilo a que chamaste sonho — se não tem em conta as indicações da natureza, não se realizará e ficarás desiludido, isto é, sentir-te-ás enganado. Desilusão deriva da palavra latina que significa «ser enganado»; somos nós que podemos enganar-nos ao brincar connosco mesmos. Ilusão é outra forma da mesma palavra: somos nós que nos podemos iludir e desiludir, «jogando» com aquilo que nos apetece, em vez de obedecer.
[…] Seguir os nossos sonhos significa que, com o tempo, converteremos em cinzas tudo aquilo que trazemos entre as mãos. Parece belo enquanto o seguramos, mas logo se transforma em cinzas. […] O ideal, pelo contrário, aponta uma direcção que não somos nós que estabelecemos; estabelece-a a natureza. Se seguirmos esse rumo, mesmo com esforço ou indo contra-corrente – como nos foi recordado no último manifesto da Páscoa o ideal, com o passar do tempo, torna-se realidade. Realiza-se de uma maneira diferente daquela que imaginamos, sempre diferente e cada vez mais verdadeiro. Quando uma pessoa, chegando aos cinquenta anos, olha para trás e diz para consigo: «Que sorte ter tido aquele encontro! Agora compreendo as coisas com uma autenticidade que as outras pessoas não conseguem alcançar».
[…] Pretender alcançar a felicidade já nesta vida é um sonho. Viver a vida caminhando para a felicidade é um ideal. Por isso, tu, ao regressares ao caminho, colocaste-te em condições de desfrutar as coisas, de as compreender e de as usar com uma pureza e com um gosto que o teu companheiro nem de longe consegue imaginar. Com efeito, ao teu amigo não lhe resta alternativa senão a de designar por felicidade uma instintividade que logo se consome. Na realidade, ele tem que a multiplicar sem cessar, porque ela vai ardendo continuamente. Tu, ao contrário, por teu lado, não tens a impressão de que as coisas se queimem. Hora após hora, dia após dia – um chuvoso e outro de um sol radioso – percebes que constróis, que constróis caminho rumo ao teu destino.
[…] Esse destino é Mistério. Não pode descrever-se nem imaginar-se. Estabelece-o o mesmo Mistério que nos dá a vida. Viver a vida como vocação significa tender para o Mistério através das circunstâncias por que o Senhor nos faz passar, respondendo a elas. Tu encontraste essa companheira; segue aquilo a que esse bom relacionamento te convida: cada vez entenderás melhor. Isso te fará sofrer, pois quererás, talvez, algo que não te será dado, que nesse momento não poderás agarrar. Mas, se obedeceres ao convite que essa boa relação te oferece, encontrar-teás mais a ti mesmo, serás mais homem do que antes. Antes, amavas menos, agora, precisamente através do sacrifício, amas mais. A vocação consiste em caminhar para o destino, abraçando todas as circunstâncias através das quais o destino te faz passar.
Há, porém, uma coisa fundamental: o destino do qual eu nasço e para o qual tendo, o meu princípio e o meu fim, tornou-se em Um de nós. Sentava-se nas carteiras das escolas, reunia-se com a gente do seu povo e da cidade de Jerusalém. Este destino tem um nome na história: Jesus Cristo. Por isso, a vocação consiste em abraçar todas as circunstâncias para obedecer, aderir a Cristo e realizar o que Ele quer de ti. Cristo é Aquele sem o qual o homem e a realidade inteira desaparecem, ficando apenas o breve impacto do instante – prazer ou dor – que no tempo se converte em cinzas. […] Só com Cristo seguindo cada circunstância, momento a momento – quer se trate de momentos de erro e de debilidade ou de força e de entrega – construímos.
[…] O destino, ou seja, o ideal, é o que há de mais presente. Pois, com efeito, o que és neste momento tem consistência por causa do ideal, tem consistência por causa do destino; de outro modo desvanecer-se-ia e o tempo transformá-lo-ia em cinzas. É por isso que o que cresce em ti cresce por causa do destino, embora não te apercebas disso. E a tragédia da nossa vida é esquecer o destino, a relação com Cristo. Existe algo que nos ajude a recordar-te a Ti, ó Cristo, Tu que és o nosso destino, e que nos sirva para enfrentar a tragédia da nossa rebeldia? A nossa companhia; é ela que impede o esquecimento e nos recupera depois de cada rebelião. A tragédia da nossa vida não consiste no facto de se poder cometer erros; o que é prejudicial não são os erros, mas a mentira. Mentira é não reconhecer o destino tal como é, na existência histórica que assumiu ao fazer-se homem. A nossa companhia nasceu daquele Homem e está unida por causa daquele Homem. Num jornal de grande difusão, de que li com horror algumas páginas, fala-se de «buscar uma verdade o mais próximo possível do que é verdadeiro». Mas como? A verdade é ou não é. Uma «verdade mais próxima do que é verdadeiro» é uma mentira. «Eu sou o caminho, a verdade e vida»: Cristo disse-o, sabendo que por estas palavras o iriam matar.
[…] A tua felicidade radica em que a vida tem um destino último e é um caminho. A companhia é o conjunto de pessoas com as quais tu caminhas em direcção ao teu destino, em direcção à meta. Se abandonas esta companhia esquecerás o teu destino, porque nesse caso se te obscurecerá a imagem e o desejo dele. Sem companhia, ninguém conheceria a Cristo. Ele, para se dar a conhecer a ti e a mim, criou uma companhia; primeiro doze pessoas, depois setenta, depois centenas, milhares e centenas de milhar. E assim chegou até nós; como continua a chegar até nós agora. Aqui, entre nós, a presença mais imponente e grandiosa, que ninguém consegue arrancar ou diminuir – pois todos poderíamos morrer, mas esta presença continua a impor-se inexoravelmente – essa presença é Cristo.
[…] Com Cristo já não perdemos nada. Nem sequer os erros se perdem, pois convertem-se num bem, transformam-se em dor, traduzem-se em amor. Por isso, a palavra que abarca tudo o que
Deus é para o homem, a palavra mais grandiosa que se possa utilizar na comunidade, o sinal mais incisivo de que a companhia é verdadeira, é a palavra perdão ou misericórdia. Inclusivamente o mal transforma-se em bem, até a morte se torna vida, convertendo-se no passar à vida que não tem fim.
[…] Temos que levar a toda a parte esta nova humanidade que permite ao homem amar o homem. Não é verdade que se ame se não se ama o destino do outro. Mentes quando dizes à tua noiva «Amo-te» se não desejas que o seu destino se cumpra. Se, pelo contrário, afirmas o destino da tua noiva, assumirás imediatamente perante ela uma atitude de discrição, de devoção, de admiração, de – deixa-me que te diga a palavra – pureza. Apliquem isto também ao estudo, à relação que tendes com os vossos pais e com todos os vossos companheiros: trata-se de uma humanidade nova, mais pura, de uma humanidade mais humana.
De L. Giussani, Realidade e juventude. O desafio, Lisboa: Diel, 2003, pp. 62-71.