Marcello Veneziani (Foto: Ansa/Giuseppe Lami)

«Quando o desejo não olha para o infinito»

O mal, o medo, a solidão. Mas também a liberdade, o amor, a esperança. E a palavra-chave: educação. O jornalista e escritor Marcello Veneziani se confronta com o panfleto de CL
Davide Perillo

«Eu concordo. O tema subjacente é este: quando os direitos coincidem com os desejos e a liberdade se choca com o oposto, é quase inevitável chegar a certos fatos, ao menos nos casos mais extremos». Extremos como o homicídio múltiplo ocorrido no início de setembro na Itália, no qual um jovem de 17 anos confessou ter matado seus pais e seu irmão. Isso nos coloca novamente diante de «um mistério tão insondável na manifestação de uma maldade tão desumana», como afirma o panfleto de CL intitulado “O mal e o amor que salva” preparado buscando julgar o que aconteceu. Conversamos sobre isso com o jornalista Marcello Veneziani, 69 anos, escritor e autor de vários ensaios sobre a sociedade atual.

Você tem falado muito sobre o “narcisismo” como sendo um dos males mais corrosivos de hoje em dia. Creio que isso tem muito a ver.
Sim. Creio que parte de nossos problemas – não somente de nossas dissonâncias com os outros, mas também de certas formas de egoísmo – derivam do fato de vivermos em uma época patologicamente narcisista. O importante é que eu me reflita na realidade, que encontremos nosso reflexo nela. Isso vale também para os relacionamentos. Buscamos pessoas que possam nos proporcionar um “efeito rebote”, que possam nos devolver nossa imagem potencializada. Na minha opinião, o narcisismo é também o motivo pelo qual vivemos na «época do desamor»: amamos demais a nós mesmos para pensar nos outros.

O panfleto de CL parte de um caso específico, mas faz parte de uma cadeia de tragédias que vemos todos os dias. Sem entrar na avaliação de situações que desconhecemos, alguma dessas notícias impactou você particularmente?
Elas me impactaram da mesma forma, porque há certos mecanismos que se repetem. Primeiro, o eu que prevalece sobre tudo e se separa do resto, com um egoísmo patológico. Como se costuma dizer hoje em dia, o que importa é “estar bem consigo mesmo”. Depois, o presente arrancado de qualquer continuidade: nesse momento você não pensa no que aconteceu no passado – o que as pessoas que você está atacando significaram para você, quem são, qual é sua história – nem o que pode vir, com as consequências de sua ação. Você se isola no presente. O que você está fazendo é comandado apenas pelo impulso do momento. Se você juntar egocentrismo e isolamento do presente, você obterá esses resultados.

Outra palavra que você tem usado muito ultimamente e à qual dedicou um livro é “descontentamento”: a reverberação do mal-estar que sentimos por dentro em nossos relacionamentos com os outros. Isso faz com que os relacionamentos se tornem mais conflitivos, polarizados.
O que eu chamo de “descontentamento” é uma espécie de desejo elevado ao infinito no pior sentido do termo. É a convicção de que tudo o que somos e o que temos não nos basta.
Temos que ser e ter algo mais. Devemos mudar de corpo, de sexo, de idade, de família…
Nesse espaço de frustração entre o que somos e o que gostaríamos de ser, nasce o turbilhão desse desconforto. É um desejo que não busca o infinito – no sentido de uma medida maior que nós – mas potencializar nossas possibilidades de vida até o infinito. No fundo, essa é a loucura de nosso tempo. Estamos convencidos de que nossa liberdade não tem limites de nenhum tipo, mas essa é uma liberdade que, no final, acaba se tornando pretensão e que faz com que direitos e desejos coincidam.

Trata-se, então, de um desejo de infinito que é direcionado a algo que não pode responder.
É como derramar o oceano em uma xícara de chá. Não reconhecer a distância e a tensão ideal que deve haver entre o finito e o infinito pode ser devastador.

O panfleto menciona também o problema do mal, que tendemos a censurar.
Queremos eliminar o mal da mesma forma que eliminamos a ideia da morte e, no fundo, de tudo o que seja negativo. Essa eliminação ocorre acontece através de duas ações que convergem. Por um lado, a negação do mal, porque o homem é “bom por natureza”, somos feitos para o bem. Por outro, confinamos o mal em certas figuras que demonizamos e apontamos como causa de todos os problemas.

O famoso bode expiatório.
Exatamente. Mas é outra forma de descarregar o mal fora de nós. Se, em vez disso, tivéssemos a humildade de entender que ele também habita em nós e que temos de combatê-lo todos os dias, seria um passo importante.

Outro ponto fundamental do texto diz respeito à educação. «Ouvir os jovens e levar suas perguntas a sério é decisivo». Mas às vezes temos medo, achamos difícil levar suas perguntas a sério porque não sabemos o que propor a eles.
Não apenas por medo. Também por causa da tendência de vivermos nossa vida individualmente, sem assumir a responsabilidade de indicar modelos, dar exemplos, refletir sobre como transformar a realidade. E para sustentar essa vocação egoísta, surgiu uma ideologia pela qual educar uma pessoa significa, de certo modo, restringi-la, limitá-la. Devemos aceitar a autodeterminação desde a infância porque os garotos já sabem o que querem e não temos que orientá-los. O resultado é uma sociedade com uma falta de educação que acaba alcançando os níveis que estamos vendo.

No final, aparece uma palavra que pode unir todas essas coisas: a “solidão”.
Sim, a solidão é fruto e ao mesmo tempo a causa do individualismo no qual vivemos. Nisso concordo com Hannah Arendt, que fazia a distinção entre solidão e isolamento. De certa forma, a solidão também pode ser uma riqueza: um momento no qual você se afasta, contempla o mundo e paradoxalmente pode sentir os outros mais perto na distância. Mas o que estamos vivendo é uma época de isolamento: a perda do mundo, dos relacionamentos com os outros. Não é uma opção, mas sim um déficit nosso. Quando você não tem um relacionamento real com as coisas, o eu cresce desproporcionalmente e perde o senso de realidade. Então a vida dos outros acaba sendo tão somente um obstáculo em sua vida.

O texto diz que: «O problema não é educar para um modo de vida, mas educar para perguntar por que e para que viver». É a necessidade de um sentido, um significado.
Talvez seja justamente essa a chave principal: mostrar a busca pelo que é essencial. A educação tem um papel determinante, mas penso que também há outra revolução a ser feita e ela se refere ao fato de que o homem não nasce, como nos dizem todos os dias, “individualmente”, mas nasce do encontro entre duas pessoas. Em seu nascimento já há uma herança que é transmitida de algum modo. O “nós” precede o “eu”. Essa convicção deveria acompanhar a ideia de educar. Não devemos ser átomos em um deserto, mas somos parte de uma comunidade, de um encontro, de um “nós”.

O amor é necessário, ou seja, não é uma questão sentimental, mas algo estrutural, ontológico. O amor é necessário porque somos relacionamento.
É uma necessidade inata e, portanto, que não pode ser suprimida. É uma exigência natural, e também sobrenatural, que afeta a todos nós e que pertence a essa esfera que antes se chamava “do destino”. Cremos que tudo é fruto de nossa livre escolha, mas, na realidade, grande parte de nossos amores nascem de vínculos naturais. O relacionamento com a mãe, ou com o filho, é algo que não escolhemos através de um enamoramento, mas que de certo modo chegou até nós pela natureza. Mas também o amor entre duas pessoas se torna decisivo quando se vive na esfera do destino, ou seja, como algo que nos torna con-sortes, “unidos na sorte”. E isso também afeta a sociedade.

No final, o panfleto fala de «alguém que nos ame e que nos liberte do mal». Que efeito teve em você, nesse contexto, ler sobre Cristo e a samaritana?
É um exemplo pertinente. Tem a ver com a ideia de que o amor não é posse nem domínio do outro, mas entrega, capacidade de se doar. Em uma palavra, gratuidade. Essa é a única riqueza.

Há exemplos ao seu redor que lhe dão esperança?
Eu me apego à modéstia da esperança, poderíamos dizer, ao fato de que a esperança geralmente não se manifesta. Ficamos sabendo dos casos mais duros, que enchem os noticiários. Conhecemos muito menos a vida cotidiana, que é feita de muitas contradições e de egoísmo, mas também de dedicação natural, gratuita, sem exibições. Isso é conatural ao nosso habitus, à nossa vida. Persiste. Eu confio muito na virtude discreta da esperança, no fato de que o que acontece de bom quase sempre acontece na surdina, mas acontece. E muitas vezes o silêncio de certas coisas pode devorar até mesmo o barulho da feiura e o descontentamento.

Algum exemplo, mesmo que pequeno?
São atos tão corriqueiros que passam quase desapercebidos. Quando vejo o cuidado com uma criança, ou com um idoso, ou alguém que acompanha com carinho uma pessoa com deficiência… então me dou conta de que há um bem que não se destaca porque é algo comum, mas existe. E é sobre esses gestos que o mundo se baseia.