Marco Aur.

Música. Para os meninos

Um CD com cores e perfumes das festas religiosas do interior. Novo trabalho do mineiro Marco Aur, cantor, compositor e educador musical foi gravado com a participação de crianças. Traz o roteiro musical de uma celebração da Santa Missa
Liziane Bittencourt Rodrigues

A Missa dos Meninos, CD recém-lançado pelo cantor e compositor mineiro Marco Aur, é desses que, ouvido, se passa o dia cantando, mesmo não estando na missa. Em entrevista à Revista Passos ele revela que foram as experiências vividas quando menino, em Caeté (MG), que deram origem ao disco. A Missa dos Meninos surgiu, portanto, mais de uma abundância do que da percebida falta de músicas para as crianças cantarem nas celebrações. Mas o CD também pretende preencher uma lacuna de canções de interesse do público infantil nas celebrações. Foi gravado com a participação de crianças e, no encarte, as letras das músicas são acompanhadas das cifras para violão, fáceis para quem toca, garante Marco.

O que é A Missa dos Meninos?
É um CD de música. Até antes de ser um CD de missa, porque ele não cumpre uma função “CD de missa”. É um CD de música. Isso é muito importante. Você pode ouvir fora do contexto da missa. Eu, como músico, tenho de cumprir essa missão pessoal de fazer um trabalho artístico.

Um momento da gravação. Foto de Kika Antunes.

Uma obra artística antes de ser um CD de música religiosa?
É um CD, com todo um compromisso pessoal que eu tenho de fazer um trabalho artístico, com todo o critério que tenho de fazer um trabalho bacana. Depois de dito isso, é uma missa. Tem uma entrada, um ofertório, um aleluia, canto de comunhão, ação de graças e a saída. Ele é feito nessa ordem, direitinho, para as pessoas entenderem que pode ser tocado numa celebração.

São composições próprias ou reinterpretações de cantos da liturgia?
Tem uma que não é minha, que é a música de saída, Sou Feliz Senhor, muito conhecida também pelos católicos mais antigos. É de um padre português chamado José Alves.

Por que cantos de uma missa para crianças?
Por dois motivos: porque senti falta e porque a minha infância foi muito rica nessa questão da vivência da criança dentro da igreja. A minha mãe era muito católica, meu pai acompanhava a minha mãe. Ela era líder na comunidade, uma pessoa muito viva, trabalhava em diversas coisas, tinha um grupo de casais, era chefe do encontro de noivos em Caeté, nos pés da Serra da Piedade. Eu carrego, por esse motivo, uma riqueza enorme dentro dessa experiência. Da criança que era coroinha, que ajudava o padre, de uma criança que vivia o tempo, como é no interior, muito ditado pelas celebrações dentro da igreja. Vivi muito intensamente isso: o som das bandas de música em que, depois, na adolescência comecei a tocar, a banda da cidade. Em todas as festas da igreja a gente tocava. Tenho o cheiro dessas coisas, o perfume do incenso da semana santa, das flores para Nossa Senhora. Fui muito sensibilizado por esse universo enorme que é a presença da igreja no interior.

Capa com ilustração de Hélio Faria.

Quem ouvir o CD perceberá esses cheiros e cores das festas religiosas da tua infância?
Sim! Ouça e veja se a música não leva para um lugar que só você conhece, só seu, das suas experiências passadas, inclusive dos seus antepassados. A minha esposa quando ouviu as músicas falou: esse CD é Caeté (MG)! A música Inefável Rosa é uma folia de reis. O ritmo dela é folia. E cantarolar o nome de Maria é uma coisa muito prazerosa. Devoção do interior é assim. As pessoas têm muito prazer em cantar.

Na origem desse trabalho está, então, uma abundância de experiências, e não uma falta de músicas para o público infantil?
É. A certa altura eu pensei que eu tenho que dizer e eu tenho alguma coisa a ser dita. Depois, a experiência que tive com o padre Virgílio Resi na Serra da Piedade foi muito rica também: os cantos gregorianos, a tradição antiga dos corais. Tem uma música que é a tradução de um canto gregoriano “O quam amabilis”, que é Oh bom Jesus. São coisas antigas, de outro viés, que não o popular, mas o erudito. O desejo do CD aconteceu na minha paróquia, aonde vou à missa aos domingos, em Belo Horizonte, dedicada a Santo Expedito e onde o povo ama cantar. Tem uma pessoa com o violão e outra com microfone, mas a igreja toda canta demais. Tanto que tem hora que penso: não, agora você não canta. Isso me deixou muito tocado. Vendo o tanto que gostam de cantar eu pensei: preciso compor para as crianças também cantarem, porque elas agora não cantam. Antigamente tinha um cuidado especial com as crianças. Aí fui para minha casa e comecei a compor. Passei uma madrugada compondo, devo ter feito umas três músicas, uma atrás da outra. Compulsivo mesmo, porque eu estava vivendo quase uma revelação. Eu precisava fazer. Antes até de saber se ia dar certo.

Não nasceu com a pretensão de ser um CD?
Nasceu dessa intuição de que as crianças precisavam tomar parte daquilo que é delas. Isso foi um ano e pouco atrás. Aí, eu liguei para a gravadora, onde não sei se tem alguém católico, e falei: quero fazer um novo projeto, só que é uma missa. E o diretor gostou! Eu mandei algumas músicas para ele e ele realmente gostou.

É a mesma gravadora do seu outro CD anterior, No Maior Pique?
Sim, é a Kuarup, de São Paulo, muito importante mesmo. Ela não é grande, mas é muito importante para a música regional brasileira. Tem Renato Teixeira, Artur Moreira Lima, Elomar, Chico Lobo, pessoas desse naipe. E, de uma forma surpreendente, a gravadora topou gravar o primeiro CD infantil, que foi No maior Pique, em 2013, e agora um CD católico. Confiou na proposta. Poderiam, depois de ouvir, falar, “não aprovamos”.

Como A Missa dos Meninos foi gravado?
Esse CD foi gravado de uma forma um pouco diferente. No maior Pique fiz quase tudo. Tenho estúdio em casa, gravei quase tudo, os instrumentos, depois convidei algumas crianças para cantar. A Missa dos Meninos fiz uma pré-gravação em casa e pedi para a gravadora uma ajuda. Fui para São Paulo com a base, contrataram quatro músicos muito legais e importantes. Gravamos lá, depois voltamos e gravamos as vozes em Belo Horizonte.
De adultos, as irmãs Marcela e a Letícia Bertelli, que cantam lindamente e a Fernanda Sander, que também tem um trabalho incrível de canções infantis. Eu canto pouco, entro depois delas, no coro. As crianças são filhas dos meus irmãos, a minha filha e as filhas de amigos. Os meninos da creche Padre Giussani cantaram o Aleluia. Esses fazem parte de um coral, regido pelo Daniel Rezende, que também canta. A novidade para eles é entrar no estúdio.

Qual teu desejo em relação a esse CD, o que esperas que aconteça a partir dele?
Tenho muitos desejos. É o meu trabalho. Parto do princípio que as pessoas poderiam levar pra casa, como uma pessoa que trabalha com isso gostaria que seu trabalho fosse difundido, vendido, que as pessoas cantassem. Essa é a coisa mais especial para quem faz música: a gente quer ser amado, cantado, ouvido. Agora, como um CD que é uma missa, o meu desejo é que as pessoas percebam que o CD tem algo a mais. Tem uma música, por exemplo, que fala: “Como és amável oh bom Jesus / És agradável, oh pio Jesus / Oh júbilo do coração / Conforto da minha alma (...) / É doce a lembrança / Verdadeiras alegrias, / Mais doce porém / Que o mel e que tudo além / É a doçura da tua presença”. Versos extraídos dos cantos “O quam amábilis” e “Jesu dulcis memoria”. São palavras lindas, mas quando estão juntas com a música, entram de um jeito diferente. Gostaria que as pessoas experimentassem isso: nesta, Oh bom Jesus, é a presença Dele, como é adorável! A música dá outro entendimento. Lendo um poema você já sente algo. A música, ela tem uma capacidade de penetração muito surpreendente. Se você quer conhecer Jesus numa profundidade diferente, ouça uma música assim, ouça Beethoven.
Tenho algumas imagens de coisas que acho que poderiam fazer com o CD. As crianças poderiam atuar mais na missa, como eu fazia quando era coroinha, levando a oferta, ajudando o padre, fazendo a coleta, algumas leituras. Que fossem considerados os pedidos das crianças nas orações e, sobretudo, que cantassem. Então se desejo alguma coisa hoje, é que voltasse a missa das crianças e que elas tivessem uma participação maior. As letras do CD têm as cifras, as músicas foram pensadas de uma forma muito intuitiva, muito pouco mentais, estrutura fácil de aprender, que menino de 11 anos já toca. Um dos trabalhos tem uma partitura, Aleluia, um coro a duas vozes.

O que mais as pessoas vão encontrar no CD?
Tem três músicas que não são da missa: a introdução, um prelúdio, que é Rastro de giz, uma pergunta para a estrelinha: “onde foi que nasceu o bebezinho do céu”?; depois tem uma para São Francisco e outra para Alan Kurdi, o menino refugiado sírio que morreu em uma praia turca em 2015. Eu fiquei muito tocado com aquilo. Pensei: como posso fazer reverberar nas pessoas ao longo do tempo, a intensidade de um impacto como aquele que eu tive e que tantas pessoas tiveram. Uma pessoa olhando para a criança, o mar batendo, ela caída lá e eu me perguntando por que aquele rapaz não tira o menino dali. Eu achava que ele estava vivo. Mas ainda que não estivesse, por que não tirá-lo? O absurdo daquela situação a música é capaz de fazer reacontecer. Toda vez que você ouvir essa música, se é que eu consegui meu objetivo, você vai reviver aquela cena forte que aconteceu ali.

Na música Inefável Rosa, ou também na Oh bom Jesus, tem palavras que não são do universo infantil, que são até difíceis. Porque um CD para crianças não tem uma linguagem infantil?
Porque não fiz um CD infantilizado? Não facilitei! Há muitos anos trabalho com crianças. Nesta semana fui ensinar para eles uma dança, na aula de música e falei “hoje vamos fazer uma coreografia”. “Coreo” o quê? Repitam: coreografia! Eles aprendem tudo. Então, se eu quero dizer que Maria, que eu não tenho palavras para descrevê-la, eu falo inefável. Eles vão entender. Não precisa facilitar. Essa palavra é fantástica, porque vou pôr outra? A palavra é poderosa, vou diminuir?

No que o CD A Missa dos Meninos prende a criança?
A proposta como um todo. A capa, a música, as crianças cantando, os instrumentos que escolhi, os tambores, o jeito como se canta. Inefável Rosa é um canto da tradição da igreja. É um poema assim mesmo, que só modifiquei um pouco para caber na música que eu queria.

De quem são a capa, as ilustrações?
São um presente que ganhei: um senhor que não está mais pintando. É mineiro, Hélio Faria. O traço dele é esse. É um pintor sacro e não está pintando para crianças, não, esse é o traço dele. Eu conheço algumas pessoas da família dele e na hora que falei de fazer o CD, pensei: Hélio Faria. Quando pedi, a família ficou numa alegria. Ele é muito religioso. Eu não esperava que um trabalho dele fosse servir a uma coisa dessas. Ele pinta igrejas, como o Claudio Pastro fazia. E o desenho dele casou perfeitamente com o CD.

O CD terá shows de lançamento?
Farei lançamentos em livrarias e igrejas. Claro que vamos tocar um pouco, assim como fizemos em BH. Mas é um cd de louvor, então prefiro que ele me leve pra dentro das igrejas. Quero cantar com as crianças.

Quem já escutou o que disse sobre o CD?
Uma pessoa que ouviu no Spotify me disse que quer casar ouvindo a música Inefável Rosa. Um amigo de Aracaju disse para eu fazer mais coisas como o canto Oh bom Jesus, falando que ficou bem feito uma música da tradição cantada de forma bastante fiel.

Serviço:
CD A Missa dos Meninos

Faixas: 1. Rastro de Giz / 2. Roupa de Domingo / 3. Aleluia / 4. Nada Te Faz Falta / 5. Santo / 6. Oh Bom Jesus / 7. Inefável Rosa / 8. Sou Feliz Senhor / 9. São Francisco / 10. Alan Kurdi.
Gravadora Kuarup, 2017
Onde encontrar: vendas pelo site: https://www.marcoaur.com.br/produtos