Argentina. O silêncio imponente de um abraço

A mostra do Meeting sobre a vida de Bergoglio rodou pela Argentina. Na capital, no espaço cultural Uocra, quatro dias de encontros e a descoberta de terem "o" ponto em comum
Viviana Sito Henderson

Tudo começou quando, com um grupo de amigos, levamos a sério o desejo de conhecer (e dar a conhecer) em profundidade o Papa Francisco, pois queríamos nos ajudar a seguir sua mensagem. “Peregrinamos” com a mostra Gestos e palavras: Jorge Mario Bergoglio, uma presença original por vários lugares, e em cada um nasceu uma série de encontros providenciais.

A história de como chegamos a fazer a exposição no espaço da UOCRA (organização sindical Unión Obrera de La Construcción de la República de Argentina) em Buenos Aires merece ser contada. Buscávamos, com pouco sucesso, lugares onde apresentá-la aqui, em sua terra natal. Uma amiga nos apresentou pessoas da UOCRA, que se mostraram interessadas, e tivemos nosso primeiro encontro. Enquanto lhes contava do que se tratava, disse-lhes que no entorno da mostra queríamos que houvesse mesas de diálogo sobre diferentes temas, mas todos focados na cura da rachadura que vivemos em nossa sociedade. Esse comentário não passou despercebido. Além disso, manifestaram seu desejo de divulgar as obras que o sindicato faz para educar e dignificar o trabalho através da cultura, obras que são pouco conhecidas em função da fama que o sindicato tem em nossa sociedade. Assim foi como se encontraram nossas necessidades, ambas partindo de um desejo profundo de mudança e de busca pelo bem das pessoas.

A UOCRA não só ofereceu o espaço e os meios para podermos expor a mostra, mas se comprometeu, como parte da equipe a desenvolver o evento. Assim foi como começaram as reuniões: por um lado o “comitê organizador” – no qual buscávamos a forma mais adequada para apresentar a proposta – e por outro, e em paralelo, um grupo de pessoas que se preparavam para ser guias. Neste último grupo havia jovens da UOCRA, jovens adultos de CL e outros amigos, o convite foi muito aberto.

Foi um desafio trabalharmos juntos, duas realidades tão diferentes em muitos aspectos. No entanto, o desejo humano compartilhado e o fato de que fôssemos tão diferentes foram dados importantes; este encontro tornou-se, sem pretender, uma tarefa evangelizadora para ambas as partes. Nós nos nutríamos mutuamente de uma evidência: temos o mesmo coração. Esta evidência bastava para arriscar. Foi para nós um exemplo desse “corpo a corpo” que nos propõe agora Francisco, e que já havia proposto como Bergoglio.



Depois de pensarmos juntos nas pessoas que participariam das mesas de diálogo, começamos uma série de encontros nos quais houve momentos profundos e enriquecedores. Em cada reunião estávamos sendo educados na escuta e na sinceridade. Era necessário se envolver humanamente com cada um, sem evitar o desafio, medo e esperança que isso pedisse.

No dia da inauguração e da primeira mesa de diálogo vivemos um grande acontecimento, um momento de importância histórica para o nosso povo. Há vários fatos dignos de assinalar. Dom Ojea aceitou presidir a inauguração. Antes desse dia, Gerardo Martínez havia convidado colegas de vários sindicatos a um encontro com o bispo. Nós que acompanhamos esse momento ficamos comovidos, estávamos sendo testemunhas da «ocasião de um fato superador» – citando uma expressão que usara Bergoglio para outras ocasiões – já que foi um encontro alheio a toda formalidade institucional. Além disso, via-se uma evidente paternidade por parte de Dom Ojea para com todos nós. Não há dúvida de que as palavras da inauguração do secretário Gerardo Martínez foram consequência desse encontro: ele afirmou que em sua luta pelos direitos do trabalhador encontraram na Igreja um lugar de paternidade, e por essa razão podem chamar de “pai” o Papa Francisco. Naquele momento, lembrei-me da bem-aventurança: «Bem-aventurados os pacíficos, porque serão chamados filhos de Deus!»; fomos instrumentos de um encontro em paz. Ficava comovida ao pensar que todos nós podemos ser chamados filhos de Deus.

Na primeira mesa, moderada pelo responsável de CL, Fernando Giles, dialogavam o jornalista Sergio Rubín e o presbítero Marcelo Figueroa. O título foi “Gestos e palavras: conhecendo Jorge Mario Bergoglio”. Fomos testemunhas de duas vidas tocadas pelo relacionamento com Jorge Bergoglio. Sergio Rubín nos confiava que para ele Bergoglio é uma pessoa que o indaga pessoalmente através de seus gestos, e que a característica com que poderia defini-lo é a de ser alguém «profundamente humano». Marcelo Figueroa, por sua parte, contou-nos que aprendeu junto a Bergoglio a dialogar, e que o segredo do diálogo é a escuta. Ambos compartilharam conosco algumas anedotas simpáticas em seus encontros com Bergoglio, que nos ajudavam a descobrir mais sobre sua personalidade.

No segundo dia, foi apresentada a mesa “O desafio de construir, contribuições para o bem comum”. Os convidados foram Enrique del Percio, doutor em Filosofia Jurídica, e Juan Carlos Smith, titular do sindicato de Dragagem e Balizamento. Moderava Horacio Morel, curador da mostra. Nesta mesa, buscava-se aprofundar, através dos quatro princípios do bem comum que formulou Bergoglio, que contribuições nós podemos dar à sociedade. Juan Carlos Smith fez um percurso sócio-histórico sobre o declínio da dignidade da pessoa no trabalho e sublinhou a enorme tarefa educativa que há pela frente, tarefa na qual tem profunda esperança, uma vez que – afirmava repetidamente – o homem é feito para transcender.

Enrique del Percio nos falou do bem comum e nos ajudou a identificar o que nasce de um senso de comunidade. Daí a necessidade de viver a pertença a um lugar, já que para que exista o bem comum é necessário reconhecer o outro como um bem para o nosso desenvolvimento humano. Estas palavras são apenas um esboço do que foram esses cinquenta minutos de diálogo e aprendizagem contínuos. Na experiência podíamos verificar o que foi dito lá: a comunhão que se dava entre nós que trabalhávamos para o gesto (da UOCRA e de CL) era possível graças à educação que recebíamos em nosso lugar de pertença. Descobrimos nesses dias que o homem é relacionamento, que não nos corresponde estar sozinhos, e esta experiência comunitária nos ajudava a redescobrir a dignidade do trabalho.



No terceiro dia fomos convidados para a última mesa de diálogo: “O cristianismo pode oferecer hoje alguma novidade para o mundo e a nossa sociedade?”. Participaram o bispo auxiliar de Buenos Aires, Dom Enrique Eguía Seguí e Graciela de Antoni, professora titular da Faculdade de Ciências Exatas de La Plata. Foi moderada por Alejandro Bonet, curador da mostra, que introduziu o encontro para nos ajudar a entender que a novidade cristã não surge do nosso “fazer”, mas sim de um encontro que muda a vida porque corresponde às exigências de nosso coração. Graciela foi contando seu percurso de encontros com pessoas que, movidas pela fé, mercaram nela uma nova forma de estar diante de sua responsabilidade como decana na Faculdade. Em primeiro lugar, descobriu que todos aqueles que considerava estar no «caminho oposto» são um bem para sua vida, e que com eles pode ter a experiência concreta do abraço da misericórdia.

Dom Eguía recordou sua experiência pessoal junto com Bergoglio, quando era cardeal. Ajudou-nos a identificar que o cristianismo é fundamentalmente um fato atraente, um encontro atraente. A proposta de Bergoglio, nesse sentido, é nos ajudar a descobrir que, partindo da periferia como centro, você pode descobrir essa atratividade através da misericórdia do Senhor. Os pobres e mais necessitados nos ensinam o essencial da vida, que se manifesta através de sua fé, aquilo que mais corresponde à espera que cada um tem. Ao finalizar a mesa Alejandro nos perguntou: «algo novo aconteceu se daqui saímos mudados», palavras que ajudaram muitos de nós a identificarmos com simplicidade que o que escutamos havia introduzido uma novidade em nossa vida, já que graças a estas testemunhas nos víamos mudados, com esperança.

Durante a manhã e nas primeiras horas da tarde, durante os quatro dias que a exposição durou, destacaram-se como protagonistas tanto os guias – que explicaram os painéis a mais de quinhentas pessoas que a visitaram – como os jovens da UOCRA que estavam atentos a todos os detalhes do lugar. A alegria com que se apresentavam frente a cada pessoa e cada tarefa era parte importante do coração do que estava sendo gerado lá. Aqueles que entravam podiam identificar com surpresa que havia «algo diferente» nos que os recebiam, chamava a atenção o fato de que, sendo de realidades tão diferentes, estivessem juntos como se fossem uma coisa só.

O último dia foi abençoado com a presença do padre “Pepe” Di Paola, que veio celebrar a missa de encerramento para mais de duzentas pessoas presentes nesse dia. Uma missa simples pensada para pessoas simples e que normalmente não frequentam a Igreja, mas que nesse dia quiseram estar presentes para acompanhar os seus. O padre Pepe, em sua homilia, fez referência a sua amizade com Bergoglio e à mensagem que sempre tem aos mais necessitados. Os cantos da missa também foram pensados especialmente para esse momento: que fossem simples, mas com um conteúdo profundo sobre o Mistério, que todos pudessem cantá-los.

Antes de a missa terminar, e previamente à benção final, Fernando Giles, responsável de CL, interveio com palavras de profundo agradecimento pelos dias vividos. Comovido, ele o fez com uma gratidão tão sincera em nome de cada um que, quando ofereceram ao secretário Gerardo Martínez dizer umas palavras – merecidas em razão da envergadura de sua pessoa e por ser o anfitrião – decidiu fazer silêncio e ir ao encontro de Fernando com um abraço que demonstrou a profunda unidade desses dias.



Posso dizer que fui testemunha de um Encontro (com letra E maiúscula), de ver duas pessoas com autoridade que através de um abraço apagaram de súbito qualquer diferença social e humana, caindo por terra qualquer autorreferencialidade. Estes dias foram um acontecimento de outro mundo neste mundo, e o sinal evangélico mais claro que tivemos foi a imensa alegria de estarmos juntos. Esse último dia, depois de rezarmos junto à Nossa Senhora, viveu-se uma festa de humanidade, nós nos abraçávamos e olhávamos sem deixar de pensar que havia «Algo dentro de algo» nessa superabundância, o cem vezes mais que nos era dado, era a Evangeli Gaudium em ação.