Jérôme Lejeune. A ciência moldada por uma atratividade
O médico francês e sua liberdade de pesquisar descritos por Aude Dugast, postuladora da causa de canonização. Um homem que dedicou sua vida à síndrome de Down«Um homem com um grande coração e uma inteligência fora do comum, sempre em busca da verdade». É com essas palavras que Aude Dugast – postuladora da causa de canonização de Jérôme Lejeune – descreve a figura do cientista francês que descobriu a causa genética da trissomia 21, mais conhecida como síndrome de Down. Declarado venerável pelo Papa Francisco em 21 de janeiro de 2021, no livro Jérôme Lejeune. La libertà dello scienziato (Jérôme Lejeune. A liberdade do cientista, sem tradução para o português) Dugast – com um trabalho de análise e coleta de testemunhos que durou onze anos – percorre as etapas que levaram o pesquisador francês a ser ainda hoje um exemplo para muitos jovens que empreendem a carreira de médico e um apoio para milhares de famílias que contam com alguém afetado pela síndrome de Down.
«A extraordinária história de Lejeune começa com um encontro. Naquela época, estamos falando do início da década de 1950, o jovem médico foi chamado a se ocupar de uma doença da qual ninguém queria ouvir falar. O “mongolismo”, como a medicina o definia, era vivido com vergonha, como algo que era preciso esconder da sociedade porque era considerado um castigo divino para os pais, especialmente para o pai. Foi nesse contexto cultural que Lejeune, visitando esses pequenos pacientes na enfermaria e se entregando por completo a eles, lançará as bases de uma revolução científica e humana».
Poucos meses antes de se casar com Birthe, uma jovem dinamarquesa, que durante o noivado se converteu ao catolicismo, em uma carta dirigida a sua futura esposa, Lejeune descreve o que será seu projeto de vida. «A busca por uma cura para essas crianças nos pedirá grande sacrifícios, mas tenho certeza de que teremos sucesso». Com o passar dos anos, os pais dessas crianças continuam testemunhando o caráter extraordinário daquele homem e cientista. Durante sua primeira visita, com grande delicadeza, ele acolhia seus pequenos pacientes perguntando-lhes o nome. «Ele olhava para o meu filho com os olhos de Cristo». «Ele olhava para o meu menino como se estivesse olhando para Cristo na cruz». «Esse seu comportamento – continua a autora – estava enraizado em sua relação com Jesus segundo as palavras do evangelho: “Todas as vezes que fizestes isso a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim mesmo que o fizestes” . As famílias saíam da consulta reconfortadas e com confiança no futuro».
Também houve um antes e um depois em sua relação com os colegas. Como conta nas páginas do Avvenire o neurologista Gian Luigi Gigli, por ocasião de sua beatificação: «O encontro com Lejeune foi para mim um exemplo tangível de como era possível conjugar a fé com a ciência sem dificuldade e hesitação, sem medo e sem timidez, simplesmente testemunhando a verdade».
Seu trabalho constante e apaixonado o levará, juntamente com seu grupo de pesquisa, a identificar as causas da síndrome de Down. Uma descoberta histórica naquele momento. Se hoje podemos conhecer nosso DNA até os mínimos detalhes, no final da década de 50, analisar o patrimônio genético não era nada fácil. Mas, graças às intuições de Lejeune, a presença de um par extra no cromossomo 21 foi descoberta nessas pessoas. Um resultado extraordinário que o tornou famoso no mundo todo, até o ponto de ser considerado o pai da genética moderna».
Logo, porém, ficou claro para Lejeune que o alcance de sua descoberta poderia ser utilizado não somente a favor da vida, mas contra ela. «Nos anos setenta, com a possibilidade de se detectar antes do nascimento a possível presença desse cromossomo extra, por meio de testes de diagnóstico pré-natal, começaram os primeiros abortos – recorda Dugast –. Uma situação à qual Lejeune se opôs fortemente». Há um fato concreto que ocorreu em seu consultório. «Um de seus pequenos pacientes correu assustado para abraçá-lo porque na noite anterior tinha visto em um programa de televisão que “os que eram como ele” poderiam ser arrancados do seio materno. Não nasceria mais ninguém como ele».
Sua inteligência «apegada à verdade», como descreve Dugast, sua capacidade de se colocar a serviço do bem maior que é a vida, o levará progressivamente a ser marginalizado em grande parte do mundo científico e acadêmico. Mas essa situação não deixa nenhum vestígio de reclamação em seus testemunhos e cartas. Lejeune atravessou um autêntico deserto para defender a vida e se dedicar a seus pequenos pacientes. «O heroísmo de Lejeune reside justamente aí: podia não se posicionar, evitar expor suas ideias, ficar em silêncio para não perder tudo o que havia conseguido. Mas apesar das pressões e represálias contra ele, viajou pelo mundo todo testemunhando a beleza e a dignidade inviolável da vida humana em parlamentos, em assembleias científicas e nos meios de comunicação».
A vida de Lejeune, como testemunham muitos dos que o conheceram, caracterizava-se por sua oração intensa e constante, sua participação assídua na missa e nos sacramentos, sua profunda devoção à Virgem Maria e aos santos, especialmente a São Vicente de Paulo e São Tomás More, e sua fidelidade total ao Santo Padre e à Igreja. «Lejeune – acrescenta Dugast – confiava totalmente na Divina Providência, infundindo nos outros, sobretudo em seus pacientes, colegas e amigos, uma firme confiança na ajuda divina. Ele era perfeitamente consciente da necessidade de carregar a cruz para seguir o Senhor, e isso não o assustava, pelo contrário, dava-lhe forças para enfrentar as dificuldades e as adversidades com otimismo e determinação».
Embora Lejeune seja pouco ou nada lembrado nos livros – somente é recordado como o primeiro a descobrir a trissomia 21 – seu legado científico e espiritual é mais frutífero que nunca. A nível científico, não apenas se limitou a estudar suas causas, mas levantou a hipótese dessa doença ser um problema do metabolismo celular, especificamente uma acumulação de substâncias que intoxica os neurônios causando deficiência intelectual. Hipótese impossível de ser verificada à época, mas essa teoria hoje encontra eco nos estudos de vários grupos de pesquisa dedicados à síndrome de Down, como o do professor Pierluigi Strippoli, da Universidade de Bolonha, que em 2011, depois de conhecer melhor a figura do geneticista francês e entrar em contato com sua família, começou a centrar sua pesquisa na natureza metabólica dessa síndrome.
«Após a morte de Lejeune em 1994, tudo indicava que a pesquisa da trissomia 21 chegaria ao fim – afirma Dugast –. Por essa razão, nasceu a Fundação Lejeune, uma organização que durante estes anos continuou a cuidar de muitas crianças e famílias». Mas há outro legado, o espiritual, que Lejeune deixou e cujos frutos não param de crescer. «É extraordinário ver tantos jovens que começam a estudar medicina se inspirando em seu modelo. Hoje a atratividade de Lejeune está mais viva que nunca. Uma atratividade capaz de moldar uma forma de ser médico com um olhar dirigido à totalidade da pessoa».