Pizzaballa. «Como discípulos, levados pela mão»
O prefácio do patriarca latino de Jerusalém à nova edição italiana do livro de Luigi Amicone Sulle tracce di Cristo. Viaggio in Terrasanta con don GiussaniEra 1986 quando padre Giussani se pôs “nas pegadas de Cristo” com um grupo de amigos peregrinos. Já naquela época a situação na Terra Santa não era simples, e ainda assim seu olhar estava fixo em outra coisa. Melhor dizendo, ele olhava aqueles lugares de outro ponto de vista. Em Belém, após fazer a leitura do Prólogo do Evangelho de João – «No princípio era a Palavra […]. E a Palavra se fez carne e habitou entre nós» –, Giussani comentou: «É o método que, no fundo, Deus sempre seguiu […] em todas as circunstâncias em que quis demonstrar que era seu poder o que dava consistência à realidade das coisas. […] O Senhor usa este método para demonstrar que o poder não é nosso, não está na nossa inteligência, não é uma nossa força, mas é Seu Poder» (pp. 132-133).
Esse sentimento enchia seu coração enquanto caminhava na terra de Jesus: «Tudo aconteceu sem nenhum clamor humano. Todo o povo judeu e o grande João Batista […] esperavam o Messias como algo estrondoso. Como algo excepcional que realizaria a justiça no mundo». Contudo, aconteceu como «uma semente viva que brota na terra apesar da alternância de todas as estações. E inicialmente parece algo facilmente pode passar inobservado. Assim como fizeram todos os analistas do século I, incluindo os escritores romanos que, como Tácito ou Suetônio, aludiram àquela “seita cujo fundador Cristo foi executado sob o império de Tibério”. Essa semente irrompe inicialmente de forma aparentemente insignificante, mas depois, depois de dois mil anos, somos alcançados humana, razoável e afetivamente» (pp. 131-132).
Também hoje, no meio da guerra e do mal que os homens causam com suas próprias mãos, Deus não muda seu método. E também hoje estamos na situação dos discípulos no barco sacudido pelas ondas, todos tomados pelo medo. «Surgiu, então, uma tempestade bem forte, que lançava as ondas dentro do barco, que se enchia de água. Jesus estava na parte de trás, dormindo sobre o travesseiro. Os discípulos o acordaram e disseram-lhe: “Mestre, não te importa que pereçamos?” E ele, despertando, repreendeu o vento e disse ao mar: “Silêncio! Cala-te!” O vento parou, e fez-se grande calmaria. Então Jesus lhes disse: “Por que sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?”» (Mc 4,37-40). Essas palavras são ditas também a nós hoje, quando nos deixamos tomar pelo pânico, pensando que estamos no fim. Mas o Senhor está presente e é Ele quem torna segura a nossa navegação no mar tempestuoso. Sempre e somente Ele tem o poder de acalmar as águas. E isso nos enche de assombro. Dom Giussani recorda isso justamente na parada ao Lago de Tiberíades:
«Aqueles homens estavam com ele havia meses, havia anos. Conheciam seu pai e sua mãe, sabiam onde morava, e mesmo assim diante dele chegavam a perguntar-se: “Euem é Este? Quem és tu?” […] Aquele homem tinha tamanho poder, tão desproporcional à imaginação humana, que foram forçados a fazer-se essas perguntas» (p. 95).
Todos os dias somos bombardeados por notícias cada vez mais trágicas e análises cada vez mais desesperadoras; parece que não há saída, que a paz é impossível. E até nós cristãos podemos ceder a este clima e perder a esperança. Também nós podemos tornar-nos como os discípulos de Emaús, com os quais padre Giussani nos convida a identificar-nos: «Nós caminhamos como cristãos tristes. A tristeza não vem da provação e da dor, a tristeza sempre vem da ausência de significado ou da fragilidade da razão. A tristeza é sempre uma interrogação sobre o “vale a pena”, “vale mesmo a pena?”, “será mesmo assim?” No fundo, a tristeza nasce de um último ceticismo. […] Mas o Senhor, que compreende nossa situação, nossa humanidade, não nos abandona nessa tristeza. […] O Senhor, mesmo não reconhecido, acompanha-nos em nossos passos pelo caminho» (pp. 169-170).
Quando nos deixamos dominar pela tristeza e pelo desespero, descuidamos de um detalhe essencial, que é o fato de toda a nossa esperança estar num homem que subiu na cruz por nós e ressuscitou para nos libertar do mal. A Igreja nasceu sob a cruz, onde o Filho de Deus, coroado de espinhos, se tornou o rei do mundo. Seu coração transpassado, pelo poder de Deus, transformou um fracasso em vitória.
Ao longo da Via Dolorosa, padre Giussani pensa: «A vida de todo mundo tem um destino de Via Sacra: Cristo. […] Todos naquela época esperavam o Redentor. Mas o Redentor […] é diferente do que esperamos. E essa diferença, que deveria fazer-nos curvar o coração diante do Mistério, torna-se a razão de afirmação de nós mesmos diante de Deus. A Via Sacra […] está nesta rebelião ou nesta traição […], na adesão à mentalidade comum. […] Assim, Cristo deve passar pela situação que em nós é gerada pela mentalidade comum à qual aderimos» (p. 163). Deixemos que Cristo atravesse a terra árida do nosso coração e a faça germinar com a vida nova que nos prometeu, para que nossos irmãos e irmãs, na Terra Santa e no mundo, reencontrem a esperança. Esta é a nossa segurança, não serão nossas façanhas o que vai mudar o destino da guerra e do ódio entre os povos. Cristo na cruz nos lembra disso constantemente.
O mal do mundo nos questiona como cristãos. E Deus nos chama a viver nossa vocação nesta circunstância dramática sem fugir. Não nos assustamos com o mal, e não porque sejamos fortes, mas porque é forte Aquele que está entre nós.
Não serão nossas estratégias o que vai mudar o curso dos eventos. Deus opera a sua salvação de maneira diferente: através do testemunho dos cristãos, de nós, pobres pecadores, até o dom de si. Padre Giussani o recorda enquanto reza diante da gruta dos Santos Inocentes: «O primeiro testemunho é o dessas crianças que morreram por Ele sem nem o saberem: que os Santos Inocentes nos ajudem nesta grandiosa simplicidade e, da pequenez que nós somos, aspiramos a tornar-nos e a ser uma grande riqueza para o mundo. Devemos ser um testemunho, simplesmente uma oferta sem fundo Àquele que é pai e mãe da nossa vida, ao pai e à mãe que não têm iguais, porque somos completamente e totalmente seus, todos seus» (pp. 134-135).
Seguir as pegadas de Cristo na companhia de padre Giussani – através desta crônica de viagem – nos fará bem. Deixemo-nos levar pela mão e revivamos com ele a aventura mais emocionante que poderia acontecer na vida dos homens e mulheres de todos os tempos: «Vendo aqueles lugares onde somente uma humanidade viva, ainda que determinada apenas embrionária e seminalmente, pôde enraizar-se e ter a força de resistir, de comunicar-se e de transformar o mundo, fica claro que na vida da Igreja hodierna o que importa é a vivacidade de uma fé renovada e não um poder advindo de uma história, de uma instituição estabelecida ou de uma ordem intelectual teológica. O que conta é realmente que a vida iniciada em Maria e José, em João e André, seja reacendida no coração das pessoas e que a multidão seja ajudada a um encontro impactante na vida, assim como aconteceu nas origens do cristianismo» (pp. 192-193).
Ouçamos mais uma vez padre Giussani: «O que levamos desses lugares é o desejo, o anseio de que as pessoas percebam o que aconteceu. No entanto, o que aconteceu parece que hoje pode ser apagado como se apaga com o pé uma letra na areia, uma letra na areia do mundo. Mas isso se dá precisamente porque o que aconteceu é uma proposta à liberdade do homem e para que fique claro que o poder é de Deus. Hoje parece que todo o resto – a política, a economia… – seja maior e mais importante do que esse acontecimento que tão fácil e convenientemente se identifica com uma fábula. Mas a concretude desse acontecimento é tão humana quando vemos aqueles lugares, que não é possível voltar da Palestina com a dúvida de que o cristianismo seja uma fábula. Pôr-se nas condições naturais e logísticas em que Cristo deu-se a encontrar, a paisagem que viu, as rochas que pisou, as distâncias que percorreu, tudo colabora e obriga a entender a verdade do que aconteceu» (pp. 193-194).
É esse Fato ocorrido que nos torna alegres nas tribulações. Olhamos tudo com o olhar redentor que nasce ao olharmos para Jesus, ao vivermos como Jesus, ao atravessarmos cada circunstância, cada adversidade sem que isso nos possa abater.
Estou convencido de que sem um olhar religioso tudo se complica e a confusão prevalece; nenhuma análise geopolítica – por mais séria que seja – pode desfazer os nós de uma situação tão complexa. Nós cristãos não confiamos em nossas forças, mas numa Pessoa, como sempre nos lembra o Papa Francisco: «Compreendo as pessoas que se vergam à tristeza por causa das graves dificuldades que têm de suportar, mas aos poucos é preciso permitir que a alegria da fé comece a despertar, como uma secreta mas firme confiança, mesmo no meio das piores angústias. […] Não me cansarei de repetir estas palavras de Bento XVI que nos levam ao centro do Evangelho: “Ao início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo”» (Evangelii gaudium, 6-7). Esta é a nossa esperança, de pequenos discípulos nas pegadas de Cristo.
*Cardeal Patriarca Latino de Jerusalém