“Só é possível educar se partirmos de nossas perguntas. O dramático é que hoje não se escuta”

Entrevista publicada no jornal espanhol ABC com o diretor de um colégio na Espanha.“Se há algo que define a relação do homem com o mundo é a sua capacidade de perguntar, de manter viva sua curiosidade e assombro diante das coisas.
Carlota Fominaya

“Se tem algo que define a relação do homem com o mundo é sua capacidade de perguntar, de manter viva a curiosidade e o assombro diante das coisas. Isto é a única coisa que nos livra de todas as respostas perciais e ideológicas”, afirma Francisco Romo, diretor do Colégio San Ignacio de Loyola de Torrelodones. E por isso, para este doutor em Humanas e licenciado em Sociologia e Filosofia, “só é possível educar se partirmos de nossas perguntas, porque expressam o interesse do homem pelo real e da a possibilidade de encontrar uma resposta satisfatória”.

Romo foi encarregado de dar o tiro de partida do Ciclo de Conferências 2017 da Fundação Botín. Esta organização celebra pela segunda vez estas jornadas que tem como objetivo possibilitar espaços para se pensar e debater sobre a Educação, em maiúscula. Após um primeiro encontro em 2016, onde se colocaram a valorização do papel di professor, a o aluno e do seu entorno, e alguns dos conteúdos que podem formar parte da educação que a sociedade está buscando, “este ano trabalharemos com outros valiosos ingredientes como a arte, a curiosidade, o silêncio, o entusiasmo e o fracasso, dentre outros. Porque estamos convictos de que a educação que queremos é possível hoje”, afirma.

O senhor assegura que a educação hoje está submetida ao pragmatismo. O que isto quer dizer?
Parece que o importante hoje, na hora de educar as crianças, é fazer muitas coisas. E em muitos casos nem se pergunta o sentido do porquê as fazem, o que é terrível, como se fosse o simples fato de fazer o que lhes dá sentido, enquanto é sempre o contrário. O homem, se não pensa antes o que faz, está perdido, porque acaba pensando conforme vai fazendo. Ou pior ainda, sendo cordeiros dos que decidiram o que tem que fazer.

O que te parece o momento atual na educação e qual é o maior desafio que enfrentamos?
Estamos em um momento muito interessante para educar, onde fica cada vez mais claro que o centro é a pessoa. A tentação é reduzir a educação ao futuro, a preparar as crianças para o mercado de trabalho, que evidentemente se tem que fazer, ou reduzir a educação à socialização, a formar bons cidadãos, que é outra de tantas tentações. Enquanto que o verdadeiro centro da educação é fazer emergir toda a capacidade que a pessoa tem dentro. E isto é o fundamental. O tema é como que se consegue. Quais são os diferentes métodos que se pode desenvolver. O bom, agora mesmo, é que tem uma diversidade de métodos que se pode escolher, ainda que também é verdade que o que domina são as modas. Viram moda as inteligências múltiples, todo mundo trabalha isso. Em seguida vira moda a inteligência emocional, e todos trabalham a inteligência emocional... De um lado, tudo tem algum valor, como dizia Chesterton, que apontava que toda mentira tem um lado de verdade. Mas é preciso saber tirar a verdade das coisas.

Qual é o sentido do professor em um mundo cheio de instrumentos conectados com a internet?
Devemos saber que a pessoa cresce quando tem diante de si alguém que tem uma consciência grande da realidade, e o significado da vida. Eu tinha um professor maravilhoso na escola que eu ia, que dizia “O professor é um, que vem de longe, e que vai ainda mais longe”. O professor “vem de longe” porque tem uma tradição potente, que é outra das meias verdades deste mundo: que a criança se faz sozinha. É importante criar em cima das costas de um gigante, já dizia Goethe. O indivíduo necessita de uma relação para crescer. O primeiro passo para o homem é escutar para se poder crescer. E isto é a grande debilidade do homem, da cultura e da educação.

Se escuta pouco, no geral.
Como se não pudéssemos aprender nada de ninguém. Eu tenho alunos que dizem já desde o princípio: “Não me interessam as coisas, esta matéria não me interessa. Eu não gosto do conteúdo. Eu não gosto de matemática, não gosto de religião, não gosto de história, não hosto de humanas. É que não me interessa”. E eu lhes digo: “Vocês já conhecem? Conhecem algo destas matérias? Não vêem que é horrível dizer isso? Você sabe o que significa a palavra interesse? Inter-esse, a relação entre o “inter” (eu) e o “esse””. Se você não te abres, como vai te interessar a realidade? Já decidiram anteriormente que não se abrem e que, portanto, não esutam. De fato, o grande drama da sociedade é que não escuta. O que vão perguntar se já fecharam a janela. A razão é a pergunta. E essa é, na verdade, a essência da história da filosofia.

A razão é a pergunta, o que define o homem, como o senhor disse. Como podemos reforçá-la em nossos educandos?
A criança que tem grandes pessoas a sua volta se expressa como pergunta. Vou explicar melhor com “O Pequeno Princípe”. Se trata da pertunta diante do mistério da realidade. O piloto que se aproxima do menino e começa essa maravilhosa relação diante do mistério. O menino não quer ficar parado na aparência das coisas. Não lhe vale que lhe maqueiem as coisas, o menino não quer ficar na aparência das coisas, e o piloto entende que diante de uma pergunta séria e profunda não se pode dar qualquer resposta. Este é outro dos dramas da nossa cultura hoje em dia, que antes mesmo do menino nos fazer a pergunta, já lhe estamos dando a resposta, em vez de lhe acompanhar para que descubra a resposta ele mesmo. E é nisso que deve consistir a figura do educador.

Em casa, como podemos cultivar essa curiosidade de nossos filhos?
Não esmagando a pergunta da criança. A mãe ou o pai, que muitas vezes cansados do trabalho, lhe diz: “para agora”, “não me faças outra pergunta”, “não aguento mais”, “é que tenho que fazer outras coisas, porque ainda tenho que terminar uma coisa do trabalho”... está esmagando essa curiosidade, não faz um diálogo. A criança pensa que às pessoas não lhes interessa o que ela pergunta, e decide que é melhor não perguntar. Manter a pergunta em uma criança, em um jovem, em um homem, em um idoso... da dignidade ao homem. Mas com frequência se pensa que é melhor não pensar. É absurda a cultura hoje, porque não põe no centro o valor da pessoa, que se expressa em perguntas. A pergunta nasce do desejo do homem de ser verdadeiro, feliz, justo. Que são desejos que todos temos, sejamos de direita, de esquerda ou de centro...

Devemos fomentar a escuta, a pergunta, e... onde fica o pensamento crítico... ?
Vejamos, de onde nasce o pensamento crítico? De peneirar, como nos povoados, a palha do grão. De ficar com o bom, com o interessante, e separar o que não é. A educação tem que favorecer que surja esse critério que lhes permita poder ser críticos. Uma pessoa crítica é uma pessoa que vai ao fundo das coisas, que é capaz de valorizar, de tirar os fatores mais importantes que estão em jogo daquilo que se está falando. Agora, a sociedade, o poder... tenta anular isso, claro. Tenta sufocar as exigências. Não ajuda exatamente no que vivemos no consumo da imediatez das coisas, e isto é algo contrário ao que os pais de hoje devem resolver.

Agora muitas famílias se encontram, certamente, diante da situação de ter que escolher o colégio. Que conselhos o senhor daria a estes pais?
Hoje em dia, o problema é a claridade do projeto e o método do colégio. O bom é que as escolas estão muito inquietas, estão buscando acertar. Tem coisas muito bonitas na Espanha e tem que se estar atento. Os pais devem buscar aqueles colégios que tenham verdadeiramente um projeto educatibo que ponha como centro a pessoa, e que desenvolva esta capacidade de se perguntar sobre a verade. O trabalho educativo é sobretudo didático. Quer dizer, que desde a matemática, a literatura, a biologia, a história... ensinam a colocar-se em contato com a realidade, ensinam a usar bem a razão, ensinam bem a argumentar... Então, para mim, o trabalho cooperativo, maravilhoso, o trabalho por projetos, maravilhoso... mas não inventaram a Amazônia. Meu professor em um povoado de Ávila já fazia isso levando-nos, aos nove anos, para dar um passeio pela montanha e caçar grilos, lagartixas, para fazer uma horta, etc. E a partir daí os ensinava a ler e a escrever as letras, a somar e diminuir os números.
Respondendo a sua pergunta... quem o faz melhor? Aquela instituição que tem como interesse colocar os alunos diante da realidade. Nós professores temos uma obrigação: que os rapazes, quando cheguem à universidade, “devorem a instituição”, e não o contrário, que não lhes faça desaparecer... Porque isso significa que têm uma maturidade, uma capacidade de raciocício, que têm uma capacidade de perguntar sobre as coisas grandes. A realidade é que existe uma grande porcentagem de alunos que abandonam a carreira. Acredito que é em parte porque não tiveram aqueles professores capazes de lhes transmitir interesse por tudo o que acontece, pelos problemas do mundo, pela política... O drama da educação é que faltam adultos com paixão pela vida.

Matéria publica em páginasDigital.es