Encontro dos Educadores: «O educador comunica a história que o compõe»

Educadores de todo o país se reúnem para dois dias de convivência em torno do tema: “Educar à pergunta, eis a tarefa do educador”. A possibilidade de compartilhar as próprias experiências e aprender uns com os outros
Amanda, Anna, Sêmea e Viviane

Nos dias 23 e 24 de junho um grupo de educadores de todo o Brasil ligados ao Movimento se reuniram para fazer uma convivência em Teresópolis/RJ. Como ponto de partida, Sêmea, responsável pelo grupo, relembrou uma questão que aparece no capítulo 11 do livro A beleza desarmada, de Julian Carrón: «Quem é capaz de despertar o ponto inflamado do jovem?». Tocou ainda em um tema abordado pelo autor, que é o fato de, nos dias atuais, pais e professores quererem proteger os filhos e alunos, minimizando as exigências deles, em vez de redespertá-los, como se a experiência da dor não fosse, também, uma possibilidade de amadurecimento e crescimento do eu. A partir dessas provocações, Sêmea ainda propôs refletirmos: «O que é educar?» .

Na roda de conversa, os professores confirmaram a postura dos adultos de pouparem os jovens porque eles próprios não conseguem olhar para si. Segundo Carrón, o problema do jovem é que «não encontram mais adultos que lhes desafiem, por isso eles decaem» (p. 217). Neste sentido, o grupo reconheceu a necessidade de os profissionais da educação terem um coração mais vivo e serem mais conscientes de si, pois, além dos conteúdos, essa história que compõe cada um é o que será comunicado nas relações na escola. Diante dessas reflexões, surgiram vários testemunhos.

Rita, professora do Rio de Janeiro, contou-nos que deixara seu planejamento, que já estava pronto, para seguir a proposta da vice-diretora. Ao aceitar a intervenção da colega de trabalho, percebeu que essa simplicidade de se abrir à realidade fez nascer um novo relacionamento com os professores e com os alunos. Inês, de Petrópolis, falou que, em um momento de cansaço, disse a uma aluna que havia desistido dela. De repente, ela reconheceu que essa postura não correspondia à sua forma de ser professora e retomou com a menina, afirmando que aquilo que foi dito não era verdade. Em outro momento, com os alunos do sexto ano, Inês relatou a insatisfação deles por terem apenas uma semana de férias, visto que teriam que repor dias letivos. Alguns estudantes protagonizaram organizar uma manifestação na escola, solicitando a revisão dessa proposta. Na tentativa de evitar conflitos, a professora respondeu que ela mesma conversaria com a direção, mas percebeu, com essa atitude, que impedir a organização dos alunos seria não permitir o desenvolvimento da capacidade de perceber a realidade, julgá-la e repropor algo, se necessário, e se fosse possível. Inês entendeu que sua postura reduzia as exigências dos meninos e também a dela. Decidiu estudar uma maneira de incentivá-los a levar a sério a iniciativa, ajudando-os a entender todos os fatores que envolvem uma reposição, pois o importante não seria o resultado após a manifestação, mas a compreensão das demandas no percurso.

Outra professora, Viviane, de Belo Horizonte, contou que ao retornar às aulas, após a paralisação em função da greve dos caminhoneiros, propôs aos alunos darem um juízo sobre esse fato. Na discussão, vários aspectos foram levantados, mas o que se destacou foi o fato dos donos dos carros quererem resolver o problema do próprio abastecimento, sem se preocuparem com os outros que estavam na fila. Na opinião dos estudantes, seria mais justo que houvesse uma distribuição igualitária, sem que um recebesse mais que o outro. Refutaram a atitude de certos motoristas que levaram galões de gasolina, demonstrando muito individualismo. Alguns dias depois, foi pedido à professora que fizesse um novo mapeamento da sala, pois havia muita conversa e os alunos deveriam ser trocados de lugar para evitar esse tipo de problema. Alguns julgavam que estavam ocupando uma posição privilegiada e resistiram à mudança, pois queriam manter-se onde estavam (preservando seu interesse, como aqueles que garantiram os galões de gasolina). Diante disso, Viviane retomou o juízo que eles próprios tinham dado sobre a greve dos caminhoneiros, provocando os alunos a pensarem se a reflexão que tinham feito anteriormente era somente teórica, já que não a estavam aplicando naquele momento prático em que precisavam redistribuir os assentos na sala. Ficaram silenciosos por alguns instantes, mas imediatamente reconheceram que o critério estabelecido anteriormente poderia ser utilizado naquela nova situação e concordaram com a mudança dos lugares. Eles foram instigados a entender que era importante colocar-se no lugar do outro, pois há tempos uma parte deles ocupava os melhores assentos, e outra parte os lugares menos qualificados. Surgiu a ideia de fazerem um rodízio, assim todos poderiam vivenciar as posições, sem que ninguém ficasse prejudicado. Essa expressão do bem comum foi compreendida com simplicidade e os meninos sentiram-se felizes. Ficou nítido no olhar deles que era correspondente pensar no outro e não só em si.

Anna é uma professora italiana, mas que reside em Belo Horizonte. Em sua colocação, afirmou que a solução é seguir os meninos, pois eles estão sempre à frente. Para estruturar um projeto de trabalho, ela procurou possibilidades de estar ao lado deles para entender o que pensam, o que desejam, quais são suas dúvidas e realidades para, com esses elementos, organizar uma proposta correspondente e efetiva, que considere os alunos.

A roda de conversa prosseguiu com temas atuais e cada professor pôde expor suas experiências cotidianas na tentativa de entender o próprio trabalho, divulgando erros e acertos, buscando alternativas eficientes de atuação, mas sobretudo compreendendo que o que nos faz resistir no trabalho, com empenho, não são as estratégias somente, mas a certeza de que é possível construir o trabalho educativo dentro da realidade que temos. Sobre isso, Bracco, responsável pelo movimento Comunhão e Libertação no Brasil, alertou-nos que a didática nasce do eu. Isso quer dizer que muitos reflexos do cotidiano passam por nós e precisamos olhá-los com amorosidade, com simpatia, pois essa realidade nos forma e precisamos estar atentos a ela, certos de que a criatividade nasce disso, isto é, a didática se consolida quanto mais desejamos acolher a novidade que aparece diante de nossos olhos.

Dessa maneira, entendendo que todos os fatores educacionais têm a ver com nosso desejo de sermos professores inteiros, ouvimos a professora Tânia, de São Paulo, que compartilhou sua experiência de participar do movimento de greve da rede particular, levantando a discussão sobre a terceirização do ensino que já é uma realidade no país e precisa ser aprofundada. Ela expôs a conquista que tiveram, mas alertou que as mudanças estão se aproximando de forma categórica. A professora ressaltou a importância de buscarmos um relacionamento com os integrantes dos movimentos, pois podemos aprender com eles e também podemos ser propositivos. O engajamento pode ser uma oportunidade de afirmarmos a positividade do real, em um ambiente marcado, muitas vezes, por ideologias, descrença e medo. Bracco nos chamou a atenção para o que seria um movimento de resistência, diante de ações tão duras no âmbito educacional. Resistir não é defender um ideal a qualquer custo, mas sim reconhecer se o movimento de luta me permite estar livre, independentemente das conquistas.

Com um grande desejo de entender melhor o cenário que está se desenhando na educação, surgiu a proposta de cada grupo, em sua cidade, buscar elementos para compreender como isso está se estabelecendo nas realidades locais para que, na Convivência dos Educadores do próximo ano, possamos discutir, de maneira embasada, sobre a relevância desse tema.

Após a conversa, entre outras atividades do dia, houve o Sarau dos Educadores, marca registrada do encontro. De alguma maneira músicas e poesias nos fazem ruminar sobre tudo o que foi dito na roda. O elemento simbólico nos remete às nossas vivências e nos torna maiores do que éramos antes, como canta Dani Black, na música Maior. Um dos poemas recitados foi:

O provedor

Andar à toa é coisa de ave.
Meu avô andava à toa.
Não prestava pra quase nunca.
Mas sabia o nome dos ventos
E todos os assobios para chamar passarinhos.
Certas pombas tomavam ele por telhado e passavam
as tardes frequentando o seu ombro.
Falava coisas pouco sisudas que fora escolhido para
ser uma árvore.
Lírios o meditavam.
Meu avô era tomado por leso porque de manhã dava
bom-dia aos sapos, ao sol, às águas.
Só tinha receio de amanhecer normal.
Penso que ele era provedor de poesia como as aves
e os lírios do campo.

Manoel de Barros – do livro Ensaios Fotográficos


Esse avô é um sustento. No caminho dos lírios ensina a olhar. Desperta o ponto inflamado do neto com sua própria vida.