Dom Orani (à direita) no encontro promovido por CL.

Chamados a levar a todos a graça recebida

No final de janeiro, o arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Orani Tempesta, participou de um encontro com Comunhão e Libertação sobre o legado da JMJ. O acontecimento de um rico diálogo
Isabella Alberto

Copacabana está cheia de turistas e as férias escolares estão para terminar. Todos aproveitam os dias de sol na praia, e bem ali no coração do bairro, na noite do dia 22 de janeiro, um dos auditórios da Paróquia Nossa Senhora de Copacabana hospeda o encontro “O legado da JMJ, em nós e na cidade. Como o Papa Francisco está movimentando hoje a nossa vida?”. Promovido pela comunidade local de Comunhão e Libertação, o evento reúne um público de 200 pessoas para um diálogo com o Arcebispo da cidade, Dom Orani Tempesta. O evento tem início com a apresentação do coral de CL. A beleza da música prepara a todos para ouvirem os muitos fatos que relatam um pouco das histórias vividas durante a Jornada Mundial da Juventude realizada na cidade em julho do ano passado.

Poucos dias antes do encontro foi anunciada pelo Papa Francisco a nomeação de Dom Orani, de 63 anos, como novo Cardeal, a ser criado no Consistório de 22 de fevereiro e temia-se que precisasse desmarcar o compromisso, mas vinte minutos antes do horário marcado ele já estava presente. Chegou sorridente e logo foi rodeado pelos sacerdotes presentes, como filhos em busca da bênção do pai. Naquela manhã ele havia sido recebido em Brasília pela presidente Dilma Rousseff, e ainda estava sob o impacto da notícia. “Acabei de ser nomeado agora e até levei um susto pela responsabilidade que vem, pois você começa a ver que é uma responsabilidade nacional e internacional, mundial, muito grande”, afirmou.

Marco Montrasi, responsável de Comunhão e Libertação no Brasil, abre o encontro falando com entusiasmo da experiência que tem feito no seguimento ao Papa Francisco: “Quase por acaso eu comecei a ler as homilias diárias que o Papa faz na Capela Santa Marta, que aparecem no site da Rádio Vaticana. E desde que comecei, não faz muito tempo, não tem um dia que não fiquei marcado e comovido com alguma coisa que ele fala. Eu percebi que eram palavras que chegavam direto ao meu coração, e aí comecei a segui-lo mais, a esperá-lo todo dia”. Dom Orani se sente muito à vontade e começa a relatar diversos fatos presenciados durante a Jornada. Fala do policial que estava apreensivo pela segurança do Santo Padre e que se surpreende com o almirante que tranquilo afirma: “Se os manifestantes chegarem perto, o Papa vai descer do carro e cumprimentá-los”. Conta que percorre as paróquias e se maravilha com a reação das pessoas perante o tema da Jornada, sempre com algo positivo para relatar, apesar de todas as dificuldades que ocorreram. Fala também da preocupação central que vê no Papa: “Ele insiste sobre o anúncio. A Igreja vai ter sim as questões de comportamento, mas é uma boa notícia, é alegria. Eu creio que como bom jesuíta que ele é, e pregador de retiros, o Papa quer justamente levar as pessoas a perceberem a alegria do evangelho e ao mesmo tempo fazer com que o coração se abrase. E sendo que o Papa fala dessas experiências muito concretas e bastante claras, simples de entender e profundas na mística, isso se divulga pelo mundo todo e leva as pessoas a ter uma abertura e perceber que tem algo que fala ao seu coração, que vai alimentando nossa vida”.

Durante os dias da Jornada Dom Orani esteve sempre junto com o Papa e o seguia. Assim, dá ênfase ao fato que recebemos uma graça com a JMJ e somos responsáveis por fazer chegar o anúncio a todos. “Cada movimento, cada pastoral, cada paróquia, cada diocese, cada país deve ver como se leva isso adiante, de que maneira. E cada um tem que responder, sem perder o carisma – e Comunhão e Libertação, com o seu carisma, seu jeito de ser –, como aproveitar de toda essa efusão. Então, não se trata de mudar o carisma, mas de impulsionar o que já se fazia. Dá-se novas ideias, e novos elementos, um novo ardor no que já existia. Cada um tem que trabalhar sobre isso”. Dom Orani repete algumas vezes que não existe uma receita única, pois cada movimento tem a sua própria dinâmica, e cada um traz uma riqueza à Igreja. “Além daquilo que é geral para todos, acho que cada um, em particular, tem que descobrir isso. O que a Jornada trouxe de entusiasmo e de maravilhamento? Como é que eu posso levar para frente isso, dentro do que é a minha realidade, dentro do que é o carisma do qual eu participo? E é uma resposta que tem que ser dada por vocês. Por vocês. Cada um tem o seu jeito, cada um tem a sua maneira”.

Na segunda parte do encontro alguns amigos dão seu testemunho sobre a participação na Jornada. O jovem Andrea, italiano que estuda no Rio, é o primeiro a falar. Conta a experiência de terem começado a rezar o terço na sua faculdade logo após a JMJ, pelo encontro com outros católicos, de diversos movimentos. “Isso foi uma oportunidade para mim, para levar mais a sério a oração, e isso está me ajudando”. Ele também conta, comovido, do gesto de caritativa com as famílias de uma comunidade carente em Copacabana, um gesto que vem de encontro ao chamado de Papa Francisco para irmos às periferias. “A gente faz um gesto muito simples que é a entrega de uma cesta básica todo mês para algumas famílias. E é muito bonita a relação que nasceu com essas famílias e para nós não é algo que a gente faz, mas que a gente recebe. De certa forma me educa o mais simples e a gente pode ser um pequeno sinal para eles”.

Em seguida, Gabriel revela que é o criador da história em quadrinhos sobre as Jornadas. Ele é professor de design, e entra nesta aventura a convite de um amigo, padre Leandro, que pede que se envolva na organização da Jornada usando seus talentos. Gabriel trabalha duro com outros voluntários. “Quando a história saiu e foi publicada, fiquei com aquela sensação de trabalho cumprido, mas o Papa Bento XVI renunciou dois dias depois que a revista tinha ido ao ar. E o que a gente faz agora? Foi muito legal porque não tivemos dúvidas, nos empenhamos para fazer uma segunda história, que ficou pronta no sábado antes do Papa chegar”. Gabriel conta ainda que para fazer um novo trabalho se arriscou em pedir ajuda em sala de aula. Quatro alunos, nem todos católicos, se oferecem e produziram junto com ele o material. “Esse foi o ponto de retomada do meu carisma, retomada da minha vida na Igreja, retomada daquilo que eu vivo no Comunhão e Libertação. Por isso eu agradeço demais a Jornada Mundial da Juventude”.

Com voz doce, Yasmine, estudante de medicina, conta da beleza vivida naqueles dias e do desejo que se prolongue nos anos de estudo, que tantas vezes se revela um ambiente hostil à sua experiência de católica. Dom Orani demonstra interesse pelo tema. Fala que apesar de ter sido a Igreja que fez nascer a Universidade, hoje ela se distanciou de tal maneira que se tornou contra a Igreja e não só não a menciona, como às vezes menciona coisas contrárias à fé, à Igreja. Daí a grande importância de ser presença no ambiente. “É importante que as pessoas estejam ali, e, aos poucos, tanto professores, quanto alunos, como funcionários, se tornem realmente essa presença cristã mais visibilizada, como vocês três que falaram aqui, que é próprio do carisma de Comunhão e Libertação. E como fazer esse visibilizar na universidade, e na cultura, de maneira especial, essa presença de Cristo que responda aos anseios da pessoa?”. E dirigindo-se aos presentes, o Arcebispo faz um apelo: “Nesse ponto Comunhão e Libertação é um carisma importante para a Igreja hoje, porque, justamente houve uma perda dessas presenças intelectuais dentro da Igreja, embora tenhamos muitos. Encontrei muita gente em vários momentos, muitos pesquisadores, que são profundos e são católicos. O que falta justamente é esse encontro. Onde estão agrupados é na universidade, que é onde está o trabalho, porque aquele cientista e aquele professor que vai à sua paróquia estão juntos na universidade, que é quando influenciam o pensamento humano. E aí está o lugar do grande desafio de hoje. Nós temos algo de muito importante para dizer para a sociedade, que é importante que nós o digamos ali dentro, e então poremos fermento dentro da massa”.

Também padre Gilson, morador de Campo Grande, relatou a experiência de acolhida de 2.000 peregrinos em vez dos 600 previstos inicialmente, surpreso e grato pela caridade do povo. Até hoje troca mensagens com um padre da Indonésia, que esqueceu um par de tênis na sua paróquia e queria que ele lhe enviasse pelo correio. Dom Orani fez piada com ele, dizendo que precisa se desculpar com as outras paróquias que ficaram com menos peregrinos para acolher, pois esta é a principal reclamação em suas visitas pastorais após a Jornada. Depois retomou o tom sério e fez uma recomendação aos sacerdotes: “O pároco é chamado a acolher a todos indistintamente, mas o carisma deve alimentá-lo e ajudar a uma reflexão diante das circunstâncias de hoje”.

O tempo está acabando, mas há ainda um último testemunho, que surpreende até o arcebispo. A professora universitária, Márcia Valéria, que leciona História da Arte, fala de seu serviço durante a Jornada com a criação do Projeto de Visitas às Igrejas Históricas do centro da cidade, trabalho no qual envolveu diversos estudantes e cerca de 600 voluntários. Dom Orani agradece por essas iniciativas. Ele, que é especialista em comunicação e por oito anos foi o presidente da Comissão Episcopal para a Cultura, Educação e Comunicação da CNBB, tem especial apreço pelas artes. Ele afirma: “Juntamente com a explicação da arte, a explicação da história e tudo o mais, vem também uma explicação que leva à fé, que leva à evangelização. Acho que esse é o aspecto que faz a diferença, porque à vezes você vai a um lugar que te explica a arte e a história e depois fala contra a Igreja. Então, aquele momento ali, é para aproveitar para falar da arte, falar da história, e também falar do Evangelho”.

Tomado pela riqueza do que foi visto naquela noite, Marco Montrasi finaliza o encontro com estas palavras: “Queria só agradecer muito por como o senhor também nos ajudou a poder olhar de novo o nosso carisma, o carisma do Movimento. Dom Giussani dizia que é como se a gente estivesse vivendo como no tempo do Evangelho, pois lá não havia separação entre católicos e outros, não tinha diferenças, tinha um homem que precisava viver. ‘Como se faz para viver?’ era a pergunta, e cada vez mais para nós esta é a pergunta: ‘o que me permite viver?’, ‘o que me faz viver?’. Então, é como se nós tivéssemos que ir nus, sem nenhum enfeite, mas com a nossa experiência, a experiência de maravilhamento, a experiência do encontro que fizemos com Cristo. Isso pode unir, mas também te deixa mais feliz de encontrar quem ainda não encontrou Ele, em cada lugar onde a gente vive. Eu acho que o Papa, a Jornada Mundial, o encontro de hoje, o caminho de cada um de nós, é para poder redescobrir isso, essa febre de vida que nos dá Cristo, mas também permite encontrar a todos. Quero agradecer porque hoje pra mim foi mais uma ocasião para redescobrir o que eu encontrei, e aquilo que eu preciso e o mundo precisa, e estamos todos juntos para caminhar em direção a isso. Obrigado, Dom Orani”.

Por último, padre Paulo Romão, responsável local de CL, reafirma nossa gratidão ao arcebispo e em nome de todos se coloca à disposição para servir a Igreja. E a todos faz um chamado final: “Nós sempre ouvimos que ‘o cristianismo se comunica por inveja’, então, como nós encontramos uma coisa tão bonita, tão grande, que a gente não tem que ter medo de nada. Imagine a beleza que a gente vive. A única coisa é estar onde nós estamos maravilhados pelo encontro com o Senhor”. O desafio está lançado.

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