Padre Julián Carrón.

Carrón: «Próximos das feridas do homem»

Na vigília do Sínodo sobre a família, o presidente da Fraternidade de CL explica por que a próxima assembleia dos bispos será ocasião para “voltar ao essencial, à novidade que o cristianismo trouxe para o mundo"
Giorgio Paolucci

“Peço-lhes que invoquem intensamente o Espírito Santo, a fim de que ilumine os Padres sinodais e os guie na sua exigente tarefa”, disse Papa Francisco a todos os fiéis na sua Carta às famílias. Sábado, 4 de outubro, de 18h às 19h30 na Praça São Pedro, será realizada uma vigília junto com o Pontífice. Mas todos estão convidados a se unir em oração, também de forma privada, na própria casa, ou em grupos, e a colocar nas janelas das próprias habitações uma luz acesa. O Movimento também adere a esse convite, como explica Julián Carrón na entrevista concedida ao jornal italiano Avvenire.

Há alguns dias, na abertura do ano social de Comunhão e Libertação, em Milão, diante de 19 mil pessoas, com outras 34 mil que o acompanhavam por videoconferência em muitas cidades da Itália, convidou as comunidades de Comunhão e Libertação a rezar “para que o próximo Sínodo dos bispos possa aumentar em todos a consciência do caráter sagrado e inviolável da família e da sua beleza no projeto de Deus”. E a unir-se à oração convocada para sábado, na Praça de São Pedro e nas respectivas cidades. Julián Carrón, presidente da Fraternidade de CL, vê na assembleia que acontecerá daqui a poucos dias no Vaticano uma grande oportunidade para “voltar ao essencial, à novidade que o cristianismo trouxe para o mundo, a fim de oferecer a cada um uma vida humanamente mais conveniente”.

O que está na raiz da crise do matrimônio e da família?
Estamos diante de uma crise que é, em primeiro lugar, de natureza antropológica. Antes de ser um problema de relacionamento entre homem e mulher, há o modo com o qual cada pessoa responde à pergunta antiga e sempre nova: quem sou eu? Quando há confusão sobre o eu, também os relacionamentos se tornam problemáticos. Num relacionamento amoroso autêntico, o outro é vivido como um bem de tal forma grande que é percebido como algo de divino. Por isso, Leopardi escrevia: “a tua beleza, mulher, ao meu pensar, pareceu um raio divino”. A mulher desperta no homem um desejo de plenitude, mas ao mesmo tempo encontra-se na impossibilidade de realizá-lo, suscita uma espera para a qual não consegue dar resposta. Remete para algo de maior para o qual cada um é feito. Pavese deu-se conta disso de maneira genial: “O que um homem busca nos prazeres é um infinito, e ninguém renunciaria jamais à esperança de conseguir esta infinidade”. O outro não pode realizar a promessa que acendeu, e isto gera insatisfação e desilusão. Somos feitos para algo maior do que o outro, e se não nos dermos conta disso as dificuldades que nascem dentro de um relacionamento podem se tornar sufocantes. É por isso que Cristo veio: como resposta autêntica para esta incapacidade do homem de satisfazer o desejo do outro.

Ideais como a indissolubilidade do matrimônio e um amor que dure “para sempre” parecem pertencer a uma outra época. Como podem voltar a ser experimentáveis?
Não é um problema apenas de hoje. Dois mil anos atrás, quando Jesus disse “não é lícito separar o que Deus uniu”, os discípulos responderam: “Então, não convém casar”. Por isso, as dificuldades contemporâneas não nos devem surpreender: eles também pensavam que certas coisas fossem humanamente impossíveis. Cristo veio exatamente para tornar possível aquilo que, para o homem, é impossível. Por isso, fora da experiência cristã, a indissolubilidade do matrimônio ou um amor “para sempre”, que, por si, são desejáveis para dois que se amam, são, com efeito, percebidos com não possíveis. De resto, a Igreja, já no Concílio Vaticano I, dizia que “os preceitos da lei natural não são percebidos, por todos, com clareza e imediatamente; na situação atual, a graça e a revelação são necessárias para o homem pecador, para que as verdades religiosas e morais possam ser conhecidas por todos e sem dificuldades, com certeza firme e sem nenhuma mistura de erro”.

Muitos chegam ao matrimônio sem a consciência adequada daquilo que estão para fazer. Como ajudá-los?
Aqueles que se dirigem à Igreja, às vezes mesmo de maneira confusa e até contraditória, fazem-no porque reconhecem a necessidade que têm, e que, sozinhos, não dão conta de responder. O problema é a resposta que é oferecida. É preciso ajudá-los a se tornarem cada vez mais conscientes daquilo que receberam através da tradição ou através dos costumes sociais. A Igreja deve mostrar que há uma possibilidade de estar juntos de maneira humanamente conveniente, um lugar onde possam encontrar uma resposta para as dificuldades que encontrarão e que os sustente num caminho de maturidade. Bento XVI dizia: “A partir da atração inicial, educai-vos a ‘querer bem’ ao outro, a ‘querer o bem do outro’”. As famílias devem encontrar na comunidade eclesial uma ajuda para esta educação.

O senhor acredita que isso aconteça na Igreja?
Há muitos lugares e experiências onde as pessoas são acompanhadas e sustentadas, e onde experimentam que é possível aquilo que parece ser impopular ou humanamente impossível. O Papa Francisco nos ensina que não basta repetir fórmulas corretas, é preciso estar próximos das feridas do homem, em qualquer condição, em qualquer periferia existencial na qual se encontre. Devemos abraçar quem encontramos, em virtude do abraço que nós recebemos de Cristo.

No Sínodo serão examinados os desafios que chegam de uma sociedade cada vez mais secularizada: formas de convivência diferentes do matrimônio, uniões homossexuais, mudanças de sexo, e outras coisas mais. Com os meios de comunicação que agitam o confronto entre progressistas e conservadores na Igreja. Qual critério usar para julgar e agir segundo o Evangelho?
O ponto de partida é entender que, por trás de muitas solicitações, há exigências profundamente humanas: a necessidade afetiva, o desejo de maternidade, a busca pela própria identidade. É neste nível que é preciso responder, há um trabalho educativo a ser feito para ajudar as pessoas a se dar conta da natureza profunda das exigências que percebem em si, e a entender que as receitas evocadas são inadequadas para responder àquilo que está na raiz dessas exigências. Dom Giussani dizia que “a solução dos problemas que a vida coloca não acontece enfrentando diretamente os problemas, mas aprofundando a natureza do sujeito que os enfrenta”. E isso ultrapassa a questão do conservadorismo ou progressismo na Igreja. Mesmo a Samaritana havia tentado responder à sua sede de felicidade mudando de marido por seis vezes, mas a sede permanecera, tanto é verdade que, quando encontrou Jesus no poço, pediu para ter “daquela água”, que lhe permitiria não sentir mais sede. Os cristãos podem testemunhar às muitas samaritanas de hoje a plenitude que Cristo trouxe para a vida.

No debate que precedeu o Sínodo ressurgiu a dialética entre quem, citando o Papa, pede que se use, sobretudo, de misericórdia, e quem evidencia a necessidade de salvaguardar a verdade. O que o senhor pensa disso?
Francisco, na Evangelii gaudium, escreve que “não podemos dar por adquirido que os nossos interlocutores conhecem o horizonte completo daquilo que dizemos ou que eles podem relacionar o nosso discurso com o núcleo essencial do Evangelho que lhe confere sentido, beleza e fascínio”. Por isso, o Papa insiste que é preciso encontrar “formas ou modos” novos “para comunicar com uma linguagem compreensível a perene novidade do cristianismo”. É, no fundo, o que Jesus fez com Zaqueu: o Seu olhar de misericórdia redespertou naquele homem o desejo pela verdade, até ao ponto de se converter. Por isso, contrapor misericórdia à verdade é errado.