Os olhos de Erbil

Os cristãos continuam sendo perseguidos no Oriente Médio. Aqui, publicamos novos testemunhos do Curdistão. Pessoas capazes de centrar tudo no essencial e, ao mesmo tempo, de colocar tudo em movimento
Alessandra Stoppa

“Eles vivem uma miséria enorme. E um dilema ainda maior”. A escolha frente ao dilema de converter-se ou perder tudo. “Só quando fui lá é que me dei conta do que isso quer dizer de fato”. Padre Bernardo Cervellera, missionário do Pime e diretor da AsiaNews, que no ano passado lançou a campanha “Adote um cristão de Mosul”, decidiu passar dez dias em Erbil para estar com os irmãos cristãos, para “não esquecê-los”, como eles pedem.
Viu-se em meio a professores, arquitetos, empresários, profissionais de todo tipo que, quando a organização terrorista ISIS invadiu a planície de Nínive, tiveram que abandonar todo e qualquer conforto. E o fizeram para salvaguardar a fé. “É a coisa mais importante da vida deles, mais importante do que o próprio projeto de vida”.
Na pobreza extrema fazem de tudo para viver bem as festas religiosas. “Preparam a missa, os momentos de oração, os matrimônios, os funerais, com coros, decoração... Um zelo maravilhoso”. Ele participou da ordenação de um sacerdote ortodoxo de rito siríaco, na catedral caldeu-católica. “As mesmas pessoas que eu havia visto nas tendas, muito pobres, com o nada que têm, naquele dia chegaram para a missa do modo mais elegante que podiam”. Aquele jovem que se tornou padre não tem paróquia nem casa, vive a sua missão sacerdotal entre os refugiados. Ele próprio, um refugiado. Como expatriadas se tornaram aquelas mulheres que, para não precisar fugir de Mosul, fingiram que tinham se convertido ao Islã e aceitado viver sob a sharia imposta pelo Isis. “Depois de algumas semanas, fugiram. Enfrentaram dezenas de quilômetros no deserto e, tão logo chegaram em Erbil, não pensaram em repousar: queriam se encontrar logo com o Bispo. Para lhe pedir perdão”.
O sinal mais luminoso da fé dessa gente é “o fato de que não se desesperam”. Padre Bernardo encontrou muitos jovens. “Eles esperam. Realmente esperam. Embora a política não os ajude, querem construir, voltar para casa e, sobretudo, testemunhar o cristianismo no meio de xiitas, sunitas, iazidis”. Rami Sadik, estudante cristão, refugiado de 22 anos de idade, cuida das crianças do campo Ayun Erbil (“Os olhos de Erbil”). Estudava ciências motoras em Karamles, a sua cidade, da qual teve que fugir com a família no verão passado. Aqui não pode continuar os estudos: os cursos são diferentes, a língua é diferente. “Mas não podemos abandonar o Iraque”, disse ao padre Bernardo. “Nossas raízes estão aqui. Aqui é a nossa vida e o nosso futuro”.
Nos campos não pedem dinheiro, comida, ajudas. “É impressionante. Só pedem que rezemos por eles. Se eu caísse numa indigência desse tipo, me faltaria o fôlego. Mas vi uma fé que dá sentido à vida, a toda a vida, inclusive aos desastres. Isso me transformou. Colocou os problemas que enfrento sob uma luz diferente, não os dramatizo mais”, continua padre Bernardo. Corações que desvelam todos os corações, que revelam “o burguesismo em que vivemos: apenas acontece alguma coisa, pensamos que Deus está nos perseguindo. Para eles, Deus é a fonte que os mantém vivos”.
Como é possível uma fé assim? Ele se lembra da resposta do padre Joseph, superior do mosteiro de Qaraqosh: “Caro padre, a nossa Igreja nasce do sangue dos mártires derramado nesta terra. Para nós, a nova evangelização é estar prontos para o martírio”.
“O martírio não é uma coisa do passado ou uma possibilidade remota: é uma dimensão contínua da sua fé. E não só o martírio do sangue derramado uma vez por todas, mas aquele quotidiano”, afirma padre Bernardo. O desejo que têm de “permanecer” e viver em meio a crenças diferentes “me leva a desejar construir comunidades cristãs abertas a todos. Vi funerais de muçulmanos cheios de cristãos. O martírio vivido faz compreender melhor que na fé é possível encontrar-se com todos os homens”.
A Igreja caldeia do Curdistão, 60-70 mil pessoas, viu-se obrigada a cuidar de pelo menos 130 mil refugiados. “Os desabrigados naquela zona são mais de 550 mil. No Líbano, um terço da população total. É uma bofetada no rosto a angústia que toma conta de nós quando vemos os barcos no mar. O mundo é um hospital a céu aberto e nós só esperamos ‘que não cheguem até aqui’. Queremos defender a vida que temos”. Vi padres, freiras e leigos colocando toda a sua vida à disposição. “Abriram suas casas. Em virtude de uma fé simples, decidida e decisiva”.
Para o outono está organizando um campo de trabalho para onde pretende levar jovens italianos. No AsiaNews lembrou Jesus e os cristãos perseguidos na Ásia e no mundo com as palavras do profeta Isaías: “Ovelha muda diante dos seus tosquiadores”. A “mudez”, o “não abrir a boca”, enquanto passa por entre a maldade dos homens. “No silêncio, da morte aceita por amor ou infligida pelo poder, Deus opera. Uma esperança indestrutível surge na manhã de Páscoa. E uma pequena abertura do coração basta para invadir num instante toda a vida”.