Zhang Agostino na apresentação em Roma.

“A misericórdia que me aconteceu”

Em Roma, no dia 12 de janeiro foi apresentado o livro-entrevista de Andrea Tornielli com o Papa. Nesta ocasião, junto com autor estavam Roberto Benigni e o Cardeal Parolin. E Zhang Agostino, um detento de origem chinesa. Eis o seu testemunho
Zhang Agostino Jianqing

Meu nome é Zhang Agostino Jianqing, tenho 30 anos e sou da China, mais precisamente, de Zhe Jiang. Pode parecer estranho que um chinês tenha o nome de Agostinho, mas, mais adiante vocês vão entender o porquê. Minha família, de tradição budista, é uma família de pessoas boas, que sempre se comportaram bem e trabalharam tanto na China quanto na Itália.

Em 1997, quando tinha 12 anos, cheguei à Itália com meu pai. Minha mãe já estava na Itália há dois anos. Passaram-se 18 anos desde 1997, e a maior parte deste tempo passei na prisão, e ainda estou detido. Quando cheguei à Itália, estudei durante alguns anos, mas não gostava da escola, então frequentemente eu faltava às aulas, fugia da escola sem que meus pais soubessem.

Ano após ano, tornava-me cada vez pior, comecei a brigar com meus pais porque não me davam dinheiro para eu me divertir. Aos 16 anos, inventei que trabalhava longe de casa para poder passar as noites fora. Normalmente passava as noites na discoteca. A única coisa que me interessava era me divertir e me sentir poderoso, assim, em pouco tempo adquiri um caráter violento e superficial e só me interessava por festas, dinheiro e mulheres.

Cometi um grave erro. E, assim, aos 19 anos, fui preso pela segunda vez e condenado a uma pena de 20 anos. Não falava e não entendia quase nada de italiano e, além disso, na penitenciária de Belluno, onde fiquei nos dois primeiros anos, era o único chinês. Passei por muitas dificuldades, não sabia pedir ajuda em nenhum sentido, estava desesperado, a única coisa que me fazia sentir um pouco melhor era pegar a caneta e escrever para minha família pedindo desculpa, desculpa e desculpa por toda a dor e toda a tristeza que tinha causado a seus corações, em particular minha mãe que, naquele período, viajava 700 km semanalmente para me visitar na prisão. Sempre que me via, chorava. Ver aquelas lágrimas que escorriam na minha frente ajudaram-me a olhar dentro de mim e perceber todo o mal que tinha causado a minha família e à da vítima. Meu coração tremia de dor e se sentia destruído. Inesperadamente urgia dentro de mim o desejo de mudar para melhor para não fazer mais minha querida mãe sofrer. Nascia em mim o desejo de que este sofrimento pudesse se transformar em felicidade.

Durante esse período, antes de ser transferido para a penitenciária de Pádua, conheci e estreitei amizade com um voluntário, Gildo, que, depois, em 2015 foi meu padrinho de Batismo. Entendi, somente depois de um longo percurso de Fé, que este homem foi o primeiro presente que o Senhor me deu. Depois do Batismo entendi toda a Misericórdia da qual fui objeto mesmo quando não me dava conta disso. E este livro do Papa Francisco ajudou-me a compreender melhor o que me aconteceu.

Agora, o motivo do nome Zhang Agostino. Foi porque pensando em Santo Agostinho, na sua história, me comoveu particularmente sua mãe, Santa Monica, por todas as lágrimas que tinha derramado por ele, esperando recuperar o filho perdido. É um pouco como a minha situação, pensando em minha mãe e no rio de lágrimas que derramou por mim, esperando que eu pudesse reencontrar o sentido da vida.

Voltando ao voluntário de Belluno, o que me tocou foi o seu rosto, o seu olhar, que me pareceu imediatamente familiar, nele encontrei conforto e uma paz interior que nunca tinha experimentado. Naquele período não falava nem entendia italiano, por isso aqueles dois anos teriam sido um inferno se não tivesse tido a sorte de encontrar essa pessoa.
Nos nossos encontros, passávamos mais tempo nos olhando do que falando. Tinha o desejo, a necessidade de desabafar todo o mal que tinha dentro de mim, mas não conseguia. Seu simples olhar, cheio de compaixão por mim, me sustentou durante aqueles dois anos, me deu coragem nas minhas dificuldades.

Em 2007 fui transferido para a penitenciária de Pádua. A primeira pessoa que encontrei foi um conterrâneo, Je Wu, que se tornou André. Um detento chinês como eu, que tinha começado a trabalhar na prisão, em Pádua, e que ficou próximo de mim e me ajudou. Poucos meses depois da minha chegada, eu também comecei a trabalhar para a Cooperativa Social Giotto, primeiro fazendo caixinhas de joias, depois, malas. Hoje, ainda na prisão, trabalho no setor de digitalização e de chaves para assinatura digital. Meu amigo Wu me contou que os amigos da Cooperativa não olhavam somente para o trabalho, mas gostavam dos detentos, e nos tratavam como pessoas e não como um número de matrícula ou um processo.

Dia após dia, vi que esse meu amigo estava cada vez mais contente até que decidiu tornar-se cristão e se batizar. Ver essas coisas acontecerem, trabalhar com essas pessoas fez surgir em mim o pedido e o desejo de também ser feliz como eles. Durante estes meses, vendo meus amigos voltarem felizes da missa, decidi ir para ver o que acontecia lá e se havia alguma coisa interessante para mim. Enquanto ouvia as palavras do Evangelho e os cantos, nascia em mim uma alegria que nunca experimentara antes, parecia que os cantos e as palavras tivessem sido feitos especialmente para mim. Não via a hora de o domingo chegar. Mas sentia esse desejo todos os dias, por isso, decidi participar com alguns amigos detentos e da cooperativa de um momento semanal para poder compartilhar e amar mais a minha vida. Este caminho despertou em mim o desejo de ser cristão.
Esse meu desejo, porém, se confrontava com a preocupação de não causar mais uma grande dor a minha família, principalmente minha mãe, que era budista praticante. Por isso, durante algum tempo vivi esse drama sem saber o que era certo fazer. Pedi conselho aos amigos e ao bom Deus, sobre qual era o caminho justo para mim e para minha família.

Agora, quero contar um episódio que, para mim, foi como um chamado. No Sábado Santo de 2014 participei, a convite dos amigos, da Via Sacra e da celebração da adoração da Cruz. No fim da celebração todos os amigos, um a um, desceram para beijar a cruz e dentro de mim havia o desejo de também beijar Jesus na cruz, mas, pensando em minha mãe, não conseguia fazer isso, parecia que trairia minha mãe uma segunda vez. Rezei para que o Senhor me perdoasse. Quando a celebração terminou saí da capela e, de repente, meu coração, arrependido, chorava por não ter ido beijar Jesus na cruz. Na dor daquele momento entendi que tinha me apaixonado por Jesus, que isso era verdadeiro e que não podia ser eliminado. Assim, tomei coragem e liguei para minha família pedindo que eles viessem o quanto antes à prisão para conversarmos. No dia seguinte, minha mãe veio me encontrar e lhe contei o que tinha acontecido no dia anterior, dizendo-lhe que não podia mais manter escondido o meu amor por Jesus e pedindo a ela que permitisse que eu me tornasse cristão e me batizasse.

Diante dessas palavras, minha mãe ficou imóvel durante 5 minutos. Foram os 5 minutos mais longos da minha vida. Depois, com lágrimas nos olhos, me disse: “Se você afirma que essa é uma coisa boa para você, faça, senão eu sofreria mais”. Ditas essas palavras, nós dois começamos a chorar como crianças e nos abraçamos. Senti a presença do Senhor e descobri outro amor de minha mãe, como o de Maria.

O dia do rito de admissão foi, para mim, outra confirmação da bondade da escolha, porque ouvindo as palavras do Evangelho, que diziam: “Estava preso e me visitaram”, compreendi que Jesus enviou os seus para me procurarem, e que Seu meio de chegar a mim foram todos os amigos que encontrei na prisão, no trabalho e no percurso do catecismo, e que estavam presentes ali comigo. No dia 11 de abril de 2015 fui batizado, crismado e fiz a Primeira Comunhão: tudo na prisão. Mesmo tendo a possibilidade de obter a permissão do magistrado para fazer a celebração fora da prisão, escolhi fazê-la com os amigos e no lugar aonde Jesus veio ao meu encontro e aonde eu encontrei Jesus.

Agora, permitam-me agradecer ao Papa Francisco pela atenção particular que tem por nós, presos. Nunca pensei que pudesse ser convidado para participar da apresentação de um livro do Papa, nem ter a possibilidade de apertar a sua mão, como aconteceu ontem. Agradeço sobretudo porque muitos outros poderiam estar aqui no meu lugar, muitos teriam mais direito e necessidade que eu.

Estou aqui com a minha história testemunhando como a Misericórdia de Deus mudou a minha vida. Mas tudo isso não teria sido possível sem a presença de todos os amigos e irmãos da Penitenciária de Pádua. Estou aqui com todos eles no coração, é como se todos estivessem presentes aqui. Como também carrego no coração todas as pessoas do mundo que estão presas e que não tiveram a graça que muitos de nós tivemos.

Caro Papa Francisco, obrigado pela afeição e a ternura que nunca para de nos testemunhar. Obrigado por seu incansável testemunho. Obrigado pelas páginas deste livro das quais emergem o coração de um pastor misericordioso. Sempre lembramos do senhor em nossas orações.

> Assista, em italiano, ao vídeo da apresentação de Zhang Agostinho.