Padre Pierbattista Pizzaballa.

"Cristo perdoou os seus assassinos, agora é a nossa vez"

Publicamos a entrevista que padre Pierbattista Pizzaballa, o guardião da Terra Santa, concedeu a um jornalista espanhol no final de março deste ano
Federico Ferraù

Padre Pierbattista Pizzaballa, o guardião da Terra Santa, nos atende nas primeiras horas da manhã porque sua jornada começa muito cedo, e pede desculpa. “Sinto muito, mas realmente tenho pouco tempo”. Quando falamos com ele, eram os dias mais tensos do ano, em plena Semana Santa. A seguir, a entrevista que nos concedeu.

Ultimamente há morte por toda parte, no Oriente, mas também na Europa. Sem dúvida, o Papa e a Igreja continuam falando de misericórdia. Mas isso requer coragem. De onde tirá-la?
Fora de um contexto e de uma trajetória de fé, não se pode compreender a insistência do Papa na misericórdia, sobretudo em circunstâncias tão dramáticas. A misericórdia cristã não é uma técnica de sublimação interior ou de ascese, mas o modo mediante o qual Deus se manifesta a nós. De nossa parte, só podemos fazer a experiência de Deus através da sua misericórdia. Encontro Deus mediante a sua misericórdia. Encontro Deus na experiência do perdão que Ele me doa continuamente, porque quando me coloco diante d’Ele vejo sobretudo meu pecado e minha infidelidade. E, então, vejo também o seu amor misericordioso. Porém, a misericórdia não é só uma atitude reservada ao Deus-conosco. Também é o modelo de nosso estar no mundo.

O que o senhor quer dizer com isso?
Se eu experimento a misericórdia de Deus, não posso fazer outra coisa a não ser anunciar essa mesma misericórdia. Um mundo sem Deus é um mundo que não pode conhecer a misericórdia. A história, e infelizmente também o presente, nos mostra testemunhos atrozes de como organizações e movimentos, querendo eliminar a presença de Deus ou, pior ainda, manipulando e instrumentalizando a fé em Deus, e portanto negando-O, se mancharam com crimes horríveis.

O homem se acha Deus.
Quando o homem perde o sentido de Deus e, portanto, o sentido de Sua misericórdia, quando o homem se eleva à condição de Deus, na realidade ele se converte em inimigo de si mesmo. É a história de Caim que se repete continuamente. Depois de rechaçar a paternidade de Deus, o homem rechaça também o seu sentido de fraternidade, a consciência de sermos irmãos. A misericórdia se converte, assim, no critério de discernimento da verdade da própria experiência de Deus. Um crente sem misericórdia na realidade nunca fez experiência de Deus. Além disso, é preciso acrescentar que a misericórdia traz consigo também a justiça e a verdade. O pecado cometido, para ser perdoado, necessita antes de tudo ser reconhecido em sua verdade e ser contido. O mal cometido precisa ser sanado.

A Europa é ferida por filhos seus que se levantam uns contra os outros e querem matar seus pais e mães porque obedecem a outro credo. Onde foi que erramos?
Sem dúvida, erramos, e muito, nas políticas de integração e temo que continuaremos errando. Porém, isso nunca justifica o terrorismo, as perseguições em função da etnia ou da religião, a violência, que precisamos condenar firmemente.

O senhor vive numa terra sem paz; crê que seu destino é viver sem paz? O que lhe permite esperar a reconciliação, esperar que as coisas sejam diferentes, que algo mude?
Sinto que a primeira pessoa que precisa mudar sou eu mesmo. A paz eu devo carregá-la em meu coração. Eu é que devo ser capaz de ler e olhar o mundo com os olhos de alguém redimido, tocado pela experiência da salvação. Perante uma paz assim, o mal nada pode. A paz no mundo nunca a teremos completamente. Junto com o desejo do bem, de fato, no coração do homem há também uma raiz do mal que, infelizmente, seguirá atuando. Mas isso não é um pretexto para não se trabalhar pela paz. O crente cristão não se rende ao mal; antes, constrói o bem que experimentou em si. É esse o sentido do testemunho cristão.

Estamos diante de uma onda de refugiados sem precedente. Como o senhor vê a Europa, a partir de seu posto de observação?
Vejo muita confusão e medo, e isso não ajuda. Esse fenômeno ainda durará muito tempo, quer queiramos ou não. É preciso tomar consciência disso para nos organizarmos. É preciso definir os critérios para as políticas de integração, que aliás não existem, para que fiquem claros os direitos e os deveres, os limites e as oportunidades.

Enquanto isso, a guerra na Síria prossegue. Acredita que ela vai acabar?
Espero que 2016 seja o ano da mudança, e que a voz das armas dê lugar à política e à diplomacia. Porém, a reconstrução social e religiosa desse país ainda está distante. As feridas abertas por essa guerra durarão gerações para serem curadas.

Só quando o coração se abrir é que poderá acolher a misericórdia de Deus, disse o Papa Francisco. Porém, quem poderá abrir um coração enfermo de ceticismo e de desconfiança?
Sua pergunta me faz lembrar um texto de Milosz: "Sou apenas um homem, preciso de sinais sensíveis; construir escadarias de abstração me cansa logo (...). Desperta, pois, no homem, aonde quer que esteja na Terra (não a mim, pois pelo menos sei o que é a decência), e permite que, ao mirá-lo, possa admirar a Ti". Devemos pedir, em nossas orações, que alguém nos dê um testemunho assim e abra o nosso coração. Precisamos pedir isso continuamente.

O senhor acha que “amar os nossos inimigos” é um ideal irrealizável?
Se assim fosse, o que seria de Cristo, que na cruz perdoa os seus assassinos? O que seria do testemunho cristão? Seria só um conjunto de regras éticas e bons sentimentos? Não. A história da Igreja, o exemplo de tantos santos, conhecidos e desconhecidos, nos diz que é possível, sim. Que o Evangelho de Cristo não é uma utopia, mas uma vida verdadeira, real. E que queremos continuar dando esse testemunho com alegria e hoje.

(Artigo traduzido do site espanhol Paginas Digital)