Dom Mario Grech, arcebispo de Gozo

Misericórdia: cura para a atualidade

O Arcebispo de Gozo (Malta) escreveu aos sacerdotes da sua Arquidiocese e citou a entrevista de Crux com Julián Carrón: “O caminho pastoral que ‘Pedro’ nos indica hoje tem um nome: cultura do encontro pessoal” (de L'Osservatore Romano)
Mario Grech

Depois de ter tido recentemente a possibilidade de encontrar com alguns sacerdotes e ler aquilo que foi escrito por outros, sinto que devemos refletir sobre quais manuais de eclesiologia estamos usando no serviço da Igreja que somos presbíteros. Tenho a impressão de que alguns de nós não têm dificuldade de trabalhar conforme o manual de eclesiologia que nos está propondo o Papa Francisco; parece, entretanto, que alguns podem preferir a eclesiologia precedente ao Concílio vaticano II. Uso o termo “eclesiologia” porque “a conversão” que necessitamos não se refere à doutrina – que era e continua sendo válida, mas é de gênero “pastoral”. Como disse o Papa em 2013 ao episcopado brasileiro, a conversão pastoral “não é mais que o exercício da maternidade da Igreja. Essa gera, amamenta, faz crescer, corrige, alimenta, conduz pela mão... Serve, então, uma Igreja que seja capaz de redescobrir os aspectos maternos da misericórdia. Sem a misericórdia resta pouco a se fazer hoje para inserir-se em um mundo de “feridos”, que têm necessidade de compreensão, de perdão, de amor”.



Creio que devemos adotar a visão de Francisco, não porque aqueles precedentes estivessem incorretos, mas porque os tempos mudaram. Observamos em volta de nós uma mudança de época, não a mudança de uma era. Há cinquenta ou vinte anos atrás a Igreja tinha uma abordagem pastoral, mas hoje necessitamos uma abordagem diferente, que corresponda aos tempos modernos. Recentemente eu pude ler uma entrevista interessante com Julián Carrón, sacerdote responsável do Movimento Comunhão e Libertação, publicada no site Crux. Carrón afirma que aqueles que ainda não entenderam que Francisco é a cura necessária nesse momento, ainda não captaram a gravidade da doença; como se alguém tivesse um tumor mas continuasse a dizer a si mesmo que é apenas um resfriado, e tomasse o paracetamol ao invés da quimioterapia.

Seria errado reduzir a crise que a humanidade está atravessando hoje a uma mera crise econômica, política ou de valores. A crise é muito mais profunda, pois diz respeito à natureza mais íntima do homem. Tem pessoas que se perguntam que sentido tem a vida, para que serve constituir uma família, e assim por diante. Algumas pessoas não têm nenhum desejo de viver, e então se limitam a existir. Um fenômeno ainda mais comum entre os jovens é o medo de enfrentar o futuro. Se falamos que essa não é a realidade, é porque não conhecemos o nosso povo. São situações novas e não devemos continuar usando as curas do passado. Carrón, justamente, observa que a crise abrange algo a mais da simples negação de alguma norma ética.

Tenho a convicção de que não é necessariamente verdade que aqueles que fazem as escolhas que não correspondem à nossa visão de moralidade não se importam nada com Deus. Talvez nos encontremos diante de uma situação que mostra o quanto o homem é complexo. Por isso, essas pessoas não precisam tanto de um apelo moral ou de um debate altamente teológico, mas precisam descobrir a força atraente do Evangelho e da vida cristã. E isso é o que Cristo fez, não tanto através da pregação, mas com os encontros pessoais com todas as pessoas. “Quando visitou Zaqueu, Cristo não lhe deu uma aula de teologia, nem lhe explicou as normas morais. Na Sua pessoa estava encarnada a verdade”. “Despindo-se” da sua potência divina, Jesus permitiu que a verdade emergisse através da sua postura diante das pessoas. Jesus comunicou a verdade através da sua presença e do seu comportamento amável e tolerante. Quando o homem ferido teve contato com Jesus e provou o doce sabor da sua compaixão, começou a se interessar por Ele e por toda a Sua mensagem. O caminho pastoral que “Pedro” nos indica hoje tem um nome: cultura do encontro pessoal.

Quando seguiu esse caminho, Cristo inaugurou um novo início. Se, como Igreja, queremos construir uma vida nova à nossa volta, é esse o caminho que devemos seguir: ter a coragem de “despir-nos” de muitas coisas, incluindo o pseudo poder que nos é atribuído, e de nos apressar para encontrar a pessoa no seu contexto, para que, nesse encontro, ela sinta a beleza de Cristo. Se continuamos adiando e pegando o caminho errado, então teremos de verdade uma Igreja doente em uma sociedade doente. Peçamos ao Espírito Santo para que nos ajude a colaborar mais com o Papa Francisco.