Irmã Dulce. Santa brasileira

Com fama de santidade já em vida, após ter seu segundo milagre reconhecido, Irmã Dulce teve sua trajetória de amor e serviço aos pobres e doentes confirmada com sua canonização que ocorreu poucos anos após sua morte
Isabella Alberto

No dia 13 de outubro de 2019, em Roma, o Papa Francisco celebrou a canonização de Irmã Dulce. Grande festa para o povo brasileiro, que teve reconhecida a santidade desta religiosa de Salvador apenas 27 anos após a sua morte. Ela, que em vida foi chamada de “Anjo Bom da Bahia”, teve sua vida contada num filme de 2014, dirigido por Vicente Amorim, em que são ressaltados fatos marcantes de sua biografia e ao qual vale a pena assistir para conhecê-la melhor.

Nascida com o nome de Maria Rita de Souza Brito Lopes Pontes, em 26 de maio de 1914, era filha do dentista Augusto Lopes Pontes, professor da Faculdade de Odontologia, e de Dulce Maria de Souza Brito Lopes Pontes, falecida quando ela tinha apenas 7 anos. Junto com seus irmãos Augusto e Dulce, foi educada em família a amar os pobres e ajudar os necessitados. Assim, quando tinha 13 anos, passou a acolher mendigos e doentes em sua casa, transformando o local num centro de atendimento. Também nessa época se manifestou pela primeira vez o desejo de se dedicar à vida religiosa. Seguindo sua busca, após se formar como professora, em fevereiro de 1933 Maria Rita entra para a Congregação das Irmãs Missionárias da Imaculada Conceição da Mãe de Deus, na cidade de São Cristóvão, em Sergipe. Em 13 de agosto de 1933, recebe o hábito de freira das Irmãs Missionárias e adota, em homenagem a sua mãe, o nome de Irmã Dulce.

Sua primeira missão como freira foi ensinar em um colégio mantido pela sua congregação, em Salvador. Porém seu pensamento estava sempre voltado em ajudar os mais pobres. Por isso, em 1935, começou a ir até a comunidade de Alagados, conjunto de palafitas que se consolidara na parte interna do bairro de Itapagipe, e oferecia assistência aos moradores. Nessa mesma época, começa a atender os operários que eram numerosos naquele bairro, criando um posto médico e fundando, em 1936, a União Operária São Francisco. Em 1937, funda, juntamente com Frei Hildebrando Kruthaup, o Círculo Operário da Bahia, mantido com a arrecadação de três cinemas que ambos haviam construído através de doações – o Cine Roma, o Cine Plataforma e o Cine São Caetano. Em maio de 1939, Irmã Dulce inaugura o Colégio Santo Antônio, escola pública voltada para operários e filhos de operários, no bairro da Massaranduba.

Buscando um abrigo para quem não tinha lar, Irmã Dulce invade cinco casas na Ilha dos Ratos em 1939 e para lá leva os doentes que recolhia nas ruas de Salvador. Expulsa do lugar, ela peregrina durante uma década, levando os seus doentes por vários locais da cidade. Por fim, em 1949, com a autorização da sua superiora, Irmã Dulce ocupa um galinheiro ao lado do Convento Santo Antônio com os primeiros 70 doentes. Desta iniciativa se originou futuramente o maior hospital da Bahia, as Obras Sociais Irmã Dulce (OSID), inaugurado em maio de 1959. É uma entidade filantrópica que abriga um dos maiores complexos de saúde totalmente gratuitos do país, com cerca de 3,5 milhões de procedimentos ambulatoriais por ano.

Na primeira visita do Papa João Paulo II ao Brasil, no dia 7 de julho de 1980, Irmã Dulce ouviu seu incentivo para prosseguir com a sua obra. Apesar das muitas dificuldades, permaneceu firme em sua luta incentivada pelo contato constante com o povo, especialmente os baianos, mas também brasileiros de diversos estados e de personalidades internacionais que passaram a admirar sua dedicação. Irmã Dulce ia atrás de quem precisava de seu consolo e por isso também visitava as prisões, conhecidas desde então por suas condições desumanas. Também criou um serviço de alimentação barato nos anos 1950 e nas décadas seguintes trabalhou para promover a implantação de um centro educacional, um albergue, um pavilhão para deficientes no hospital, entre outros projetos. Em 1988, foi indicada pelo então presidente da República, José Sarney, com o apoio da Rainha Sílvia, da Suécia, para o Prêmio Nobel da Paz. Não venceu, mas tornou sua obra ainda mais conhecida e admirada. Três anos depois, em 20 de outubro de 1991, na segunda visita do Sumo Pontífice ao Brasil, João Paulo II fez questão de inserir em sua agenda uma visita ao Convento Santo Antônio para ver a religiosa, cuja saúde estava bem fragilizada em função de problemas respiratórios. Irmã Dulce morreu em 13 de março de 1992, pouco tempo antes de completar 78 anos. No velório, na Igreja de Nossa Senhora da Conceição da Praia, em Salvador, a comoção de um povo formado por empresários, artistas, operários, contando milhares de pessoas de todas as camadas sociais, reunidos para sua última homenagem à religiosa.

A causa da Canonização de Irmã Dulce foi iniciada em janeiro de 2000. Com o início do processo, seus restos mortais, que desde seu falecimento estavam na Igreja da Conceição da Praia, foram então transferidos para a Capela do Convento Santo Antônio, na sede das Obras Sociais Irmã Dulce. Já em abril de 2009, o Papa Bento XVI reconheceu as virtudes heroicas da Serva de Deus Dulce Lopes Pontes, autorizando oficialmente a concessão do título de Venerável à freira baiana. O título foi o reconhecimento de que Irmã Dulce viveu, em grau heroico, as virtudes cristãs da Fé, Esperança e Caridade. Em outubro de 2010, a Congregação para a Causa dos Santos reconheceu a autenticidade do primeiro milagre atribuído à Irmã Dulce, o que levaria à sua beatificação no ano seguinte. O referido milagre ocorreu na cidade de Itabaiana, em Sergipe, quando, após dar à luz a seu segundo filho, Gabriel, Claudia Cristina dos Santos sofreu uma forte hemorragia, durante 18 horas, tendo sido submetida a três cirurgias na Maternidade São José. Diante da gravidade do quadro, o obstetra Antônio Cardoso avisou a família que apenas “uma ajuda divina” poderia salvar a vida de Cláudia. Em desespero, a família chamou o padre José Almí para ministrar a unção dos enfermos. O padre, no entanto, decidiu fazer uma corrente de oração pedindo a intercessão de Irmã Dulce e deu a Cláudia uma pequena relíquia da Bem-Aventurada. A hemorragia cessou subitamente.

Em 13 de maio de 2019, o Papa Francisco promulgou o decreto que reconhece o segundo milagre atribuído à intercessão de Irmã Dulce, cumprindo-se assim a última etapa do processo de Canonização da religiosa. Oficialmente, ela passará a ser chamada de Santa Dulce dos Pobres, a primeira santa brasileira da nossa época e terá como data litúrgica o dia 13 de agosto. O homem agraciado é José Maurício Moreira. Natural de Salvador, aos 22 anos ele teve o diagnóstico de um glaucoma descoberto tardiamente e já em estado avançado. O tratamento, que durou dez anos, não foi suficiente para impedir que o nervo ótico – responsável pela comunicação com o cérebro – fosse destruído. Desse modo, na virada do ano de 1999 para 2000, ele ficou totalmente cego de ambos os olhos e assim permaneceu por mais de 14 anos. Em 2014, já morando em Recife, Maurício teve uma conjuntivite muito grave e, sofrendo com fortes dores, pegou a imagem de Irmã Dulce que pertencera a sua mãe e a colocou sobre os olhos. Com muita fé fez uma oração pedindo a intercessão do Anjo Bom para que aliviasse as dores da conjuntivite. E relata: “Ao acordar, comecei a ver a minha mão. Entendi que Irmã Dulce tinha operado um milagre. Ela me deu muito mais do que eu pedi: eu voltei a enxergar”.

Em Salvador, ao lado da sede das Obras Sociais, encontra-se o Santuário da Bem-Aventurada Dulce dos Pobres, também conhecido como a Igreja da Imaculada Conceição da Mãe de Deus. Em funcionamento desde 2003, foi erguido graças à ajuda de fiéis e das doações. É no Santuário que atualmente estão depositadas as relíquias dela, desde quando o corpo dela, desde quando o corpo da então Venerável Dulce foi transladado, em 2010, da Capela das Relíquias foi reaberta recentemente trazendo uma nova sepultura para o corpo da religiosa. Com estrutura de vidro, permite que os fiéis vejam uma réplica do corpo da Santa. E muitas são as pessoas que vão até ali agradecer por graças alcançadas atribuídas à intercessão de Irmã Dulce.

Na cerimônia de Canonização, Irmã Dulce foi proclamada “Santa Dulce dos Pobres”, tornando-se assim a primeira santa brasileira. Sua memória é celebrada pela liturgia da Igreja no dia 13 de agosto.

Oração à Irmã Dulce
Senhor nosso Deus,
lembrados de vossa filha,
a Santa Dulce dos Pobres,
cujo coração ardia de amor por vós e pelos irmãos,
particularmente os pobres e excluídos,
nós vos pedimos:
dai-nos idêntico amor pelos necessitados;
renovai nossa fé e nossa esperança
e concedei-nos, a exemplo desta vossa filha,
viver como irmãos,
buscando diariamente a santidade,
para sermos autênticos discípulos missionários
de vosso filho Jesus.
Amém.


(artigo inicialmente publicado na Revista Passos de out/2019)