Passos N.110, Novembro 2009

Coisa de homens

Existe uma fórmula que já entrou, de maneira estável, para o vocabulário da nossa cultura: “emergência educativa”. Indica a consciência de que o vazio na educação, o abandono, por algumas gerações, dessa tarefa fundamental, gerou uma situação dramática aos olhos de todos. No início, não era uma consciência compartilhada por muitas pessoas. Agora, sim. É difusa. E isso é bom, porque a percepção do problema é, pelo menos, o primeiro passo para se poder enfrentá-lo...
Mais ainda porque a esse primeiro passo somou-se um outro, decisivo, ligado à expressão que acabou – não por acaso – na capa daquele relatório-proposta há pouco divulgado pelo “Comitê projeto cultural” da Conferência Episcopal Italiana: “O desafio educacional”. É uma forma de dizer: aceitamos a provocação e agora o jogo começou. É uma tarefa difícil e demorada (a educação estará no centro das preocupações dos bispos italianos nos próximos dez anos), mas que já está em andamento. Há a consciência de que está em jogo o destino de todos, não só dos educadores profissionais e das pessoas ligadas aos trabalhos escolásticos (professores e alunos). Observa o Cardeal Camillo Ruini, no prefácio do livro: “Tendo como objetivo a formação e o desenvolvimento do sujeito humano, a educação está intrinsecamente ligada às grandes questões humanas (...): na realidade, embora variem os graus de responsabilidade, segundo o papel social de cada um, somos todos, de algum modo, atores do processo educacional”.

Mas o que significa“ser ator do processo educacional”? O que significa dizer que a educação é uma questão que se refere a mim, tenha ou não filhos, seja jovem ou idoso, muito bem remunerado ou recém desempregado? E, sobretudo, quais instrumentos são necessários para se enfrentar esse desafio?
É aqui que se encaixa – com toda a sua força – a proposta educativa de Dom Giussani. No recente encontro da Jornada do Início de Ano (um momento de trabalho dirigido a todos os membros de CL e cujo texto pode ser encontrado na “Página Um” desta edição), Julián Carrón assim a sintetiza: “Eu fico de queixo caído quando releio o que Dom Giussani diz a respeito de sua primeira aula: ‘Desde a minha primeira aula, eu sempre disse: Não estou aqui para que vocês considerem como suas as ideias que eu lhes transmito, mas para lhes ensinar um método verdadeiro para julgar as coisas que eu lhes direi. E as coisas que lhes direi são uma experiência que é o resultado de um longo passado: dois mil anos’. Ele sabia que não podia ajudar ninguém se não pusesse o eu daquelas pessoas em movimento, que não bastava aquilo que ele dizia, não bastava nem mesmo o fato de ser testemunha: ele tinha consciência de que só podia ajudar oferecendo um método para que seus alunos pudessem julgar todas as coisas que dizia. Ou seja, desde o início Dom Giussani desafia o coração daqueles que o Senhor põe à sua frente. É a exaltação da pessoa”.

Um desafio dirigido ao coração. Esse é o método. Coisa de homens. E que, enquanto tal, vai muito além dos bancos escolares: refere-se à vida. Quando temos filhos ou alunos, fica evidente. Mas basta observar com lealdade a nossa experiência para perceber que, no fundo, não existe nenhuma relação humana – da amizade mais intensa ao encontro ocasional – que escape dessa dinâmica, que não carregue dentro de si essa possibilidade de um desafio recíproco, de se dar juntos um passo adiante no conhecimento, que nos leve a mergulhar mais na realidade. Não há relação que não tenha uma dimensão educativa, antes de tudo para nós mesmos. A educação é a base da vida. Coisa de homens, com certeza. De quem aceita o desafio.