Passos N.112, Fevereiro 2010

Aquela saudade do Infinito

O editorial deste número é o artigo de Julián Carrón publicado no jornal italiano Corriere della Sera em 24 de dezembro de 2009

Caro diretor, existe uma frase de Dostoievski que me acompanha nestes tempos, tendo de falar do cristianismo para as mais diversas pessoas na Itália e no exterior: “Pode um homem culto de nossos dias crer, crer realmente, na divindade do filho de Deus, Jesus Cristo?”. Esta pergunta soa como um desafio para cada um de nós. É precisamente da resposta a ela que depende
a possibilidade de sucesso da fé hoje. Num discurso de 1996, o então cardeal Ratzinger respondeu que a fé pode esperar isso “porque ela corresponde à natureza do homem. No homem vive indelével o anseio do infinito”. E com isso indicava também a condição necessária: que o cristianismo tem necessidade de encontrar o homem que vibra em cada um de nós para mostrar todo o alcance da sua pretensão.
Mesmo assim, em quantas ocasiões somos tentados a olhar para a humanidade concreta que temos – por exemplo, a dificuldade, a insatisfação, a tristeza, o tédio – como um obstáculo, uma complicação, um empecilho para a realização daquilo que desejamos. E assim ficamos com raiva de nós mesmos e da realidade, sucumbindo sob o peso das circunstâncias, na ilusão de ir avante cortando alguns pedaços de nós. Mas dificuldade, insatisfação, tristeza, tédio não são sintomas de uma doença sobre a qual intervir com remédios, como acontece cada vez mais numa sociedade que confunde a inquietação do coração com o pânico e com a ansiedade. São mais sinais de qual seja a natureza do eu. O nosso desejo é maior do que todo o universo. A percepção do vazio em nós e ao nosso redor, do qual fala Leopardi (“falta e vazio”), e o tédio, do qual fala Heidegger, são a prova da inexorabilidade do nosso coração, do caráter desmedido do nosso desejo – nada é capaz de nos dar satisfação e paz –; podemos esquecer, trair, enganar, mas não podemos tirar isso de nós.
Por isso o verdadeiro obstáculo ao caminho não é a nossa concreta humanidade, mas o descuido dela. Tudo em nós grita a exigência de algo que preencha o vazio. Até Nietzsche intuía isso, tanto que não pôde evitar dirigir-se ao “deus desconhecido” que faz todas as coisas: “Elevo, só, minhas mãos (...) ‘Ao Deus desconhecido’. (...) Eu quero Te conhecer, desconhecido. Tu, que me penetras a alma e, qual turbilhão, invades a minha vida. Tu, o incompreensível, mas meu semelhante” (1864).

O Natal é o anúncio de que esse desconhecido Mistério tornou-se uma presença familiar, sem a qual nenhum de nós poderia permanecer homem por muito tempo, findaria arrastado pela confusão, vendo decompor-se o próprio rosto, porque “somente o divino pode ‘salvar’ o homem, isto é, as dimensões verdadeiras e essenciais da figura humana e do seu destino” (Luigi Giussani).
O sinal mais persuasivo de que Cristo é Deus, o milagre maior com o qual todos ficavam tocados – mais ainda do que as pernas endireitadas e a cura da cegueira – era um olhar sem comparações. O sinal de que Cristo não é uma teoria ou um conjunto de regras é aquele olhar, do qual o Evangelho está repleto: o Seu modo de tratar o humano, de se relacionar com aqueles que encontrava pelo caminho. Pensemos em Zaqueu e em Madalena: não lhes pediu para mudar, abraçou-os assim como eram, na sua humanidade ferida, ensanguentada, necessitada de tudo. E a vida deles, abraçada, despertava naquele instante em toda a sua profundidade original.
Quem não desejaria ser alcançado por um semelhante olhar agora? Na realidade “não é possível permanecer no amor a si próprio sem que Cristo seja uma presença como é uma presença uma mãe para o filho. Sem que Cristo seja presença agora – agora! –, eu não me posso amar a mim agora e não te posso amar a ti agora” (Luigi Giussani). Seria a única forma para responder como homens do nosso tempo, razoável e criticamente, à pergunta de Dostoievski.

Mas como sabemos que Cristo está vivo agora? Porque o Seu olhar não é um acontecimento do passado. Continua tal e qual no mundo: desde o dia da Sua ressurreição a Igreja existe só para tornar experiência a afeição de Deus, por meio de pessoas que são o Seu corpo misterioso, testemunhas hoje da história daquele olhar capaz de abraçar todo o humano.