Passos N.113, Março 2010

Uma história nova

Há cinco anos morria, no dia 22 de fevereiro de 2005, Dom Giussani, fundador de Comunhão e Libertação. E passados apenas dois dias, no final da cerimônia de exéquias celebrada no Duomo de Milão pelo então cardeal Joseph Ratzinger, padre Julián Carrón, o sucessor, lançava aos quarenta mil presentes o desafio que colocava, antes de mais nada, para si mesmo: “Tenho certeza de que se formos simples no seguir, sentiremos Dom Giussani mais pai do que nunca”.
Era verdade. “Mais pai do que nunca”. E, portanto, mais vivo que nunca. Agora podemos dizê-lo com mais certeza. Por causa do que vimos nestes anos e que continuamos a ver, diante de nossos olhos.
Pode-se dizer o que quiser, pode-se pensar qualquer coisa sobre CL e sobre seus limites (e quem não os tem?), mas não se pode negar que – a seu modo – o carisma de Dom Giussani continua misteriosamente a acolher e a renovar no mundo o desafio que a modernidade coloca à fé: o Cristianismo pode gerar uma criatura nova agora? Não “ideias novas”, “novas propostas culturais”, “novas regras de comportamento” às quais se agarrar, mas especificamente uma criatura nova, uma humanidade diferente, uma experiência humana pela qual valha a pena viver e amar. Isso é possível, agora?

Quem encontrou testemunhas como Dom Giussani – e continua encontrando, por meio de seus filhos –, pode responder “sim” a essa pergunta. E pode dizê-lo diante de fatos, de coisas que acontecem. Da esperança tenaz de alguns voluntários na linha de frente na ajuda ao Haiti à proposta cheia de razões que surpreendeu um grupo de intelectuais nova-iorquinos, ou à onda de amizade que está sacudindo a vida de milhares de pessoas na América Latina nos diversos encontros e momentos acontecidos, às vezes, em lugares anônimos (um quarto de hospital, uma sala de aula, a cozinha de uma mãe de família...), mas capazes de mudar a vida cotidiana de homens e mulheres. Agora.
Todos, exemplos que podemos encontrar mensalmente nas edições de Passos, começando pelas cartas. E todos, fatos que carregam em sua trama, na contraluz, uma pergunta: o que permite essas coisas acontecerem? A inteligência dos protagonistas? Sua “competência”? A capacidade de superar por si mesmos as feridas da própria fraqueza ou incoerência? Impossível. É outra coisa. Como dizia o próprio Carrón, tempos atrás, aos universitários de CL: “Há um fator aqui dentro, há um fator que é decisivo para a existência desta companhia, dos determinados resultados desta companhia [destes olhares, desta novidade de relacionamentos], dos tipos de ressonâncias dentro desta companhia, tão surpreendente que, se não afirmo algo de outro, não alcanço as razões da experiência”.
Há “algo de outro” para explicar a humanidade diferente gerada pelo Cristianismo. É preciso a Sua Presença: Jesus que acontece, contemporâneo a nós. E é necessário o nosso “sim”, a nossa disponibilidade em deixar-nos abraçar em toda a nossa fraqueza e nossos limites. Simples, como um acontecimento. E dramático. Porque como todo fato real, que acontece agora, chama em causa a nossa liberdade.

A vida inteira de Dom Giussani foi um exemplo dessa simplicidade densa e dramática. E foi vivida toda, até o fim, para que nós – você e eu – pudéssemos enfrentar agora esta dura batalha necessária para reconquistar a simplicidade de coração, para não termos medo da nossa humanidade ferida. É aí que começa a festa da fé, a fé que, como ele mesmo escreve no livro É possível viver assim?, “torna o adulto princípio de uma nova história, artífice, protagonista de uma história nova no mundo, vale dizer criador de um povo, gerador de um povo”. Porque, no fundo, estamos no mundo por isso: para aceitar sermos gerados e, portanto, gerar uma nova história. O bonito é que acontece. Somos gratos à Igreja e a Dom Giussani por isso.