Passos N.125, Abril 2011

A única arma

Afinal de contas, o que significa julgar? E por que é tão urgente, como indica o Papa, “que a inteligência da fé se torne inteligência da realidade”? Sejamos claros: isso muitas vezes nos escapa. No fundo, pensamos que se trata de algo que tem a ver com os sistemas máximos. Tudo bem para a “realidade”, especificamente, que é uma palavra grande, ou melhor, abrangente. Tão abrangente que acabamos tratando-a como se fosse uma ideia, uma abstração. Desse modo, o discurso soa bem, mas quando nos submetemos aos fatos da “realidade” – a casa, o trabalho, a política – imperceptivelmente mudamos de caminho. Quase sem perceber reduzimos juízo e conhecimento a uma tentativa prostrada e um pouco obsessiva de relacionar os dados para analisá-los melhor. Compondo-os e recompondo-os mais ordenadamente, como se fossem peças de um quebra-cabeça, até que a última peça encaixada no lugar certo nos permita resolver o enigma e dizer “entendi”.

Pena que não funcione. Quando tentamos fazer isso, por exemplo, diante da situação política ou dos conflitos internacionais, damo-nos conta de que não basta “acumular informações” para compreender. Podemos ter em mãos todas as peças que revelarão o mistério, uma a uma, até a última, e não entender seu sentido e seu propósito, como escreve Dom Giussani num dos exemplos mais sugestivos de O senso religioso. Falta algo. Há alguns dias, em um encontro de universitários, um jovem contava sua louvável tentativa de entender melhor os fatos que lia na primeira página dos jornais. Tinha passado um final de semana estudando um monte deles. “No domingo à noite estava mais confuso do que antes”. A urgência, a necessidade de julgar não tinha encontrado a solução. Mesmo ali, faltava algo. Faltava um critério de juízo.
As análises não bastam e a confusão permanece. E o motivo, se formos leais, é exatamente porque mudamos demais de caminho, de método. Empenhamo-nos em uma corrida para dominar tudo sem nos levarmos em conta. Ou melhor, sem levar em conta a profundidade da nossa necessidade, das nossas evidências e exigências originais, daquilo que o próprio livro O senso religioso chama de “coração”.
E é dali que começa o juízo. Do coração e d’Aquele que o desperta continuamente. Esse é o critério e a arma que nos permite enfrentar tudo. Partimos de nós, que temos necessidade de tudo, e do Único fato que tem a pretensão de responder a tudo, que atrai e impele o coração a uma comparação total: a presença de Cristo.
Se reduzirmos nossas necessidades, estamos perdidos: o caos se instala em um segundo. Se usarmos o coração, nos surpreenderemos tratando as coisas de uma maneira diferente: a esposa, o trabalho, o estudo, a doença, até a política. Tudo é atravessado por nossas exigências reais. Não entenderemos tudo, mas conseguiremos estar diante de tudo sem desanimar. Não resolveremos o problema (levante a mão quem pode resolvê-lo completamente...), mas estaremos numa condição melhor para enfrentá-lo. E descobriremos o gosto de enfrentá-lo, em vez de ter vontade de fugir. Em uma palavra, nos surpreendemos livres.

Não é possível viver sem essa liberdade. Devemos julgar. E julgar, para sermos claros, não é pegar os resultados de uma situação e aplicá-los a um problema polêmico como a relação entre justiça, moralidade e vida pública. A questão é continuar a usar aquela mesma bússola, aquele conjunto de exigências e evidências, sem reduções, enquanto entramos, aos poucos, no tema (dinheiro e poder são suficientes para preencher o coração? Do que nós precisamos? E o nosso país? O que é o bem comum? E a salvação, pode vir dos juízes ou dos políticos?).
Um critério que convém. Porque a descoberta que fazemos é que tudo, pouco a pouco, se recoloca em seu lugar. A realidade retoma o foco. As ideias ficam mais claras. A incerteza, pouco a pouco, cede. Caminhamos, mesmo caindo e errando, mas prontos. É possível entrar nas coisas sem deixar a nós mesmos de fora. E é possível descobri-las por dentro, graças Àquele que nos conhece profundamente.