Passos N.127, Junho 2011

Fé e liberdade

Três dias. Exatamente como os que, no fim-de-semana anterior, tinham assinalado o culminar da Semana Santa. Chegada a Rímini na sexta-feira, retorno de Roma no domingo. No meio, os Exercícios Espirituais da Fraternidade de CL e a Beatificação de João Paulo II. Previam-se dias intensos. E, realmente, foram. Mas muito mais do que se poderia imaginar. Quem esteve lá viu. Viu que estes dois gestos ligados por uma noite em branco eram um só fato. E grande. Algo destinado a ficar na memória. Mas qual é a natureza desta unidade? Com que palavras podemos expressá-la?
No livrinho dos Exercícios que acompanha essa edição de Passos, quase no fim, deparamo-nos com uma expressão antiga, usada por Santo Ambrósio: “Ubi fides, ibi libertas”. Onde há fé há liberdade. É o último ponto, quase o ponto de chegada do percurso feito em Rímini. Mas é também “a fórmula sintética daquilo que estamos perseguindo neste período”, disse recentemente Julián Carrón falando a um grupo de responsáveis do Movimento. E o motivo é simples: “O despertar do eu é posto em evidência na libertas; a liberdade é a verificação da fé”. A capacidade de estar no real, na vida cotidiana, entre as condições e os limites impostos pela realidade, mas permanecendo livre, não determinado por todo o resto, “é fruto apenas da fé”. Lembram-se do desenho esboçado por Dom Giussani em O Senso Religioso? O círculo do mundo, aquele pontinho que você é. Se não existir uma relação com aquele “X” fora do círculo, que não lhe pertence, você se torna presa das circunstâncias. O círculo balança, e você vai atrás. Mas a relação com aquele “X” não, dá-lhe uma estabilidade, uma consistência que nenhuma oscilação pode colocar em crise.

Uma lógica de ferro. É difícil levantar objeções. No entanto, o belo não está no esquema, tão simples e eficaz. Nem na explicação igualmente linear daquelas páginas. O belo é que a liberdade, tal como é descrita ali, pode só acontecer. Precisamente porque aquela dinâmica é verdadeira, pode só acontecer. Não basta a fórmula para nos libertar. “É preciso uma fé no sentido em que fala Dom Giussani, que a fé seja uma experiência presente confirmada na própria experiência”, acrescentava ainda Carrón naquele diálogo: “Caso contrário, nós sonhamos com a liberdade, e por isso não é possível a geração de um indivíduo como João Paulo II: o santo que realiza o humano”.
É necessário que aquele “X” esteja aqui, agora. Aquele ubi, aquele “onde” – um lugar, um ponto no tempo e no espaço –, é fundamental. É a única possibilidade de vencer a ideologia que, de outra maneira, seguimos inevitavelmente. Não por maldade, mas porque é mesmo inevitável. “Neste sentido, é a coisa menos moralista que existe”, observava ainda Carrón: “Ubi fides, ibi libertas. O problema não é o moralismo, é a fé; o problema não é o furor moralista, é a fé. [A questão é] se nós estamos disponíveis para fazer o percurso da fé que permite esta surpresa que se chama liberdade, que é a flor mais imprevisível, de tal forma impossível ao homem”.

Ubi fides, ubi libertas ”. Nestes dias, em que surgiu com toda a evidência a sintonia total, a quase afinidade de percurso entre a experiência do Movimento, o magistério de Bento XVI e o testemunho majestoso de João Paulo II, impressiona recordar que há seis anos, pouco antes de suceder ao Papa Wojtyla, o então cardeal Joseph Ratzinger citou numa homilia precisamente esta expressão de Santo Ambrósio, explicando-a assim: “A liberdade para ser verdadeira, portanto para ser também eficiente, tem necessidade da comunhão. E não de uma comunhão qualquer, mas da comunhão com a própria verdade, com o próprio amor: com Cristo”. Foi na homilia do funeral de Dom Giussani. Mas é agora.