Passos N.128, Julho 2011

Diante dos fatos

“De vez em quando precisamos perguntar: mas o que quer dizer incidência histórica? O que move interiormente o homem?” Essa é uma pergunta que Julián Carrón, responsável de Comunhão e Libertação, fez a todos, durante um recente encontro público. Na prática, trata-se de um desafio. Mas o primeiro modo de não levá-lo a sério é pensar que se trata de pergunta talhada sob medida para momentos determinados. Por exemplo, quando há uma eleição à vista. Então vem a vontade de calcular o próprio “peso”, a capacidade de mover e transformar o mundo em torno – a incidência, justamente – assim, em termos de votos e cadeiras conquistadas. Se venceu, você tem incidência. Se perdeu, seu peso é zero.
É uma redução mortal. Antes de tudo porque nenhuma cadeira – nenhum poder – preenche o desejo do homem, mas também porque considera só a primeira metade da pergunta. Como se a história fosse diferente do eu. Fosse separada. É um dualismo ilusório, que se insinua quase sem que o percebamos e se traduz em dúvida: mas aquilo que me tocou pode verdadeiramente mover também o que existe em torno de mim? A experiência cristã que está mudando a minha vida pode interessar mesmo a todos? Pode incidir verdadeiramente sobre tudo?
Dúvida que o próprio Carrón, nesse encontro, explicitava assim: “Mas Cristo, querendo incidir sobre a história, enganou-se quanto ao método ao preferir criar a Igreja em vez de um partido político? Se nós não entendermos isso, pensaremos sempre que seria melhor fazer outra coisa, que seríamos mais incidentes se fizéssemos outra coisa”.

O ponto-chave é que a essa pergunta só podemos responder partindo de dentro de uma experiência. Ou seja, olhando os fatos e julgando-os, tomando consciência do seu alcance. É aí que se derrota o dualismo. Porque percebemos que a vitória verdadeira é a exaltação do eu, a sua libertação. Mas isso só pode acontecer na história, não fora dela. Dentro das circunstâncias. É aí, engajados na realidade, que percebemos como uma pessoa transformada interiormente pelo cristianismo pode mover internamente também o que existe à sua volta. E assim, aos poucos, incidir na história. Nos tempos e segundo os modos que não cabe a nós definir, pois isso cabe ao Mistério. Mas incide. Como vimos acontecer, por exemplo, em dezenas de encontros ocorridos justamente na recente campanha eleitoral italiana. Uma campanha exaustiva, impregnada de desilusão com a política e, marcadamente, com alguns políticos. Mas na qual muitas vezes quem estava ali distribuindo um panfleto descobriu-se mais feliz e mais seguro do que antes, e quem o recebia imprevistamente se via acolhido e arrancado da desconfiança generalizada.

Então, procuremos ler os fatos relatados neste número (as eleições, mas também a conversão dos prisioneiros de Pádua, a vida dos universitários) à luz dessa pergunta. Procuremos nos interrogar, diante desses fatos, se a fé incide ou não na vida do homem – no íntimo dele – a ponto de transformá-la. E a construir uma história diferente lá onde ninguém espera: um presídio de segurança máxima, um palco onde atuam jovens deficientes... Talvez comecemos a entender melhor o “contragolpe no coração” percebido por Dom Giussani diante de um dos “seus” estudantes que, em 1969, nos corredores da Universidade Católica de Milão, lhe havia dito: “Se não encontrarmos as forças que fazem a história, estaremos perdidos”. Ele próprio, anos depois, contará assim esse contragolpe: “As forças que movem a história são as mesmas que tornam o homem feliz”. E “a força que faz a história é um homem que colocou sua morada entre nós, Cristo”. Reconhecer isso “introduz a nossa vida no clima da felicidade. É no aprofundamento dessas coisas que a pessoa começa a (...) olhar-se no espelho e sentir o próprio rosto mais consistente, o próprio eu mais consistente e a própria caminhada no meio do povo mais consistente; não dependente dos olhares dos outros, mas livre; não dependente das reações alheias, mas livre; não vítima da lógica de poder dos outros, mas livre”. Ubi fides, ibi libertas [Onde há fé há liberdade]. No íntimo e na história.