Passos N.132, Novembro 2011

O bunker e as janelas

Difícil usar uma imagem mais concreta. Um bunker: “Uma construção de cimento armado sem janelas, onde somos nós que controlamos o clima e a luz sozinhos”. Nenhuma abertura. Nenhuma fresta externa. Algo que sufoca, só de pensar.
E, no entanto, é assim que tratamos a nós mesmos. Basta nos observarmos para ver como somos impregnados daquela “razão positivista” limitada, reduzida, sufocante, que Bento XVI ilustrou com a imagem de um bunker, no histórico discurso no Bundestag, em Berlim. Basta sermos leais conosco mesmos e olhar como estamos diante da realidade: o trabalho, a família, o estudo... Quantas vezes nos sentimos sem espaço e sem ar. Frequentemente, no escuro. Porque a luz e o ar que damos a nós mesmos, que pensamos poder dar a nós mesmos, simplesmente não bastam. Assim como não basta termos a ilusão de que se as circunstâncias mudassem, se não estivéssemos onde estamos, mas em outro lugar, então... Tudo história, e vemos isso. Não basta passar de um cômodo a outro do bunker para conseguir respirar. Se a realidade é isto e nada mais, nua e crua, se sua espessura se limita àquilo que medimos – se somos, como somos, positivistas –, nos falta o ar. E a imagem usada pelo Papa é potente exatamente por isso. Não significa que não possamos mais discutir sobre filosofia, falar sobre fé, discutir entre crentes e não crentes. Significa que não podemos viver. E a nós, urge viver.

Então, se somos leais com essa urgência, a invocação feita logo depois, em poucas palavras, naquele mesmo discurso, torna-se o nosso grito: “É preciso abrir novamente as janelas”. Deixar o ar entrar. “Ver outra vez a vastidão do mundo, o céu, a terra, e aprender a usar tudo isso da maneira justa”. E chegar ao fundo da vastidão da realidade. Porque a vastidão não é somente uma questão de amplitude de horizonte, mas de profundidade. De espessura. “Tudo o que existe grita a sua dependência de um Outro”, lembrava há poucos dias padre Julián Carrón no Dia de Início de Ano de CL. “A natureza do homem é a de um ser criado, e a sua razão se realiza no reconhecer essa implicação última que está dentro do ser das coisas. Se alguém nega o envio, se nega o além, nega a coisa, a experiência da coisa, a destrói. Frente à abissal gratuidade do real há como que uma estranha paralisia da razão, que fica bloqueada. Mas se alguém nega isso, nega a coisa.”
Se alguém está diante do problema do trabalho, da crise ou do filho subtraindo-se do estupor pelo próprio fato de que existem e são dados, fugindo dessa “implicação última”, simplesmente acaba negando-os. Aniquila-os. Bloqueia a razão, exclui o Mistério e nega a realidade. É como fechá-la em um quarto escuro e sufocante. Até surpreender-se, então, que dali não vem o respiro que esperamos.

É por isso que o itinerário que está nos textos do Papa e na Página Um deste número, é decisivo. É indispensável para viver. Ainda mais agora, que o ar faz-se negro e vivemos a palavra “crise” na pele, mais do que ouvir falar dela (vejam as histórias do “Destaque”). Podemos ficar encalhados nas circunstâncias, quer sejam boas ou ruins, e ficar parados ali, sem respirar. Ou podemos usar a razão por aquilo que é e aceitar o desafio daquela implicação última, não a ser alcançada, mas descoberta, dentro da realidade. “É como se dentro das coisas houvesse um convite”, diz uma outra passagem do Dia de Início de Ano. Cabe a nós aceitá-lo. E escancarar as janelas.