Passos N.149, Junho 2013

Como se faz para viver?

Esta é uma daquelas perguntas que fazem tremer. Não como modo de dizer, mas em sentido literal. Porque nos desloca imediatamente, abre um horizonte diferente em um espaço que já parecia delimitado, fechado por outras questões. Pelo menos, foi isso o que aconteceu a muitas pessoas dentre as vinte e quatro mil presentes em Rímini, onde participaram dos Exercícios Espirituais da Fraternidade de CL. E onde, a um certo ponto, no percurso recém iniciado por Julián Carrón e já cheio de perguntas decisivas (“Quando o Filho do Homem vier, encontrará fé sobre a terra?”, “Eu creio ou não?”, “O que permanece do fascínio de Cristo?”), ressoou a citação de Dom Giussani: “O grande problema do mundo de hoje não é mais uma teorização interrogativa, mas uma pergunta essencial. Não: ‘Quem tem razão’, mas: ‘Como se faz para viver?’. O mundo de hoje chegou ao nível da miséria evangélica. No tempo de Jesus o problema era como fazer para viver e não quem tinha razão. Este era o problema dos escribas e dos fariseus”.

São palavras de 1991. Mas parece que estou lendo uma descrição sintética do mal-estar que vivemos aqui, agora. Uma situação fechada em si mesma, na qual o problema de “quem tem razão” foi levado ao extremo, a ponto de o outro tornar-se uma objeção a ser eliminada, ao invés de um bem com quem se entender: vemos isso no modo com o qual, tantas vezes, nós enfrentamos o trabalho, a família, os relacionamentos... Como se o ponto decisivo fossem as teorias, as ideias, alguma solução que possa “organizar” os problemas, e não o drama da vida que carregam e os tornam, de algum modo, úteis. Na verdade, preciosos, embora tragam dificuldades. Porque “aquilo que o homem ama vem à tona diante do questionamento, do problema, da pergunta, da dificuldade”, como lembra ainda Dom Giussani. E quanto mais o mal-estar aumenta, quanto mais os problemas se tornam duros e constituídos, mais urge a necessidade de afastá-los dos intelectualismos, das divagações, da superfície, para direcionar tudo à essencialidade da “miséria evangélica” e da pergunta: como se faz para viver? E para quê serve a fé, nisto?
É uma pergunta que já fizemos – ouvimos ser feita – muitas vezes. No fundo, é sempre a mesma pergunta. Mas não existe uma mais decisiva. Para a vida e para a fé. Porque uma fé que não serve para viver, para responder às urgências da realidade, é inútil. E, por outro lado, a confirmação da fé, aquilo que a torna indispensável, é se responde ou não “àquilo que caracteriza o homem de hoje: a dúvida sobre a existência, o medo da vida, a fragilidade da vida, a inconsistência de si mesmo...”.

O livreto dos Exercícios, anexado a esta edição, desenvolve esse percurso. E deve ser meditado e aprofundado, porque é um trabalho decisivo. É uma questão de vida, exatamente. E esta edição de Passos quer oferecer uma contribuição. Antes de mais nada, para percebermos até o fundo a nossa necessidade, para nos darmos conta de como muitas vezes o obstáculo maior é exatamente a resistência a olhá-la realmente, a fazê-la emergir em toda a sua profundidade. Como se tivéssemos dentro uma resistência estranha em pedir, em escancarar o pedido de felicidade e realização que está debaixo dos problemas e da nossa “dificuldade de viver”. Enquanto o acontecimento de Cristo, quando acontece, entre outras coisas tem o efeito de nos fazer perceber o alcance da nossa necessidade. Do quê somos feitos.