Passos N.150, Julho 2013

A realidade da realidade

Essas palavras foram ditas pelo Papa no encerramento da vigília de Pentecostes com os Movimentos, sábado à noite. E, se prestaram atenção, não arrancaram um aplauso imediato como muitas das coisas que foram ditas antes. Sinal de que a praça ficou abalada, realmente. Como que atônita com as palavras do Papa Francisco. “Não podemos nos tornar cristãos engomados, que falam de coisas teológicas enquanto tomam chá, tranquilos. Não! Devemos nos tornar cristãos corajosos e ir à procura daqueles que são precisamente a carne de Cristo, aqueles que são a carne de Cristo!”. E, depois, disse mais uma vez, depois das duas perguntas sobre a esmola, onde questionava uma pessoa se ao dá-la simplesmente lançava a moeda ou se olhava nos olhos e tocava a mão de quem a recebia: “Este é o problema: a carne de Cristo, tocar a carne de Cristo!”.

A riqueza daquilo que o Papa nos disse naqueles dois dias é tal, que requer que seja acolhida em profundidade. E suas palavras – todas – podem ser encontradas na edição anterior de Passos e no nosso site. Mas aquela frase fez nosso coração tremer, de repente. Além de todas as reduções com as quais estávamos ali, já um minuto depois podíamos nos tornar intelectuais (“sim, falava dos pobres, mas como um exemplo...”), ou moralistas (“mas eu não consigo fazer isso”). Maneiras de nos desviarmos, nos defendermos do golpe. Somos mestres nisso. Só que o Papa sabe disso, e não nos deixa escapatória: “A pobreza, para nós cristãos, não é uma categoria sociológica, filosófica ou cultural: Não! É uma categoria teologal. Diria, talvez a primeira categoria, porque aquele Deus, o Filho do Deus, humilhou-se, fez-se pobre para caminhar conosco ao longo da estrada. E esta é a nossa pobreza: a pobreza da carne de Cristo, a pobreza que nos trouxe o Filho de Deus com a sua Encarnação”.
Junto com o último número de Passos foi enviado o livreto com o texto dos Exercícios da Fraternidade de CL. Muitos dos nossos leitores estão trabalhando sobre ele nestas semanas. Quem sabe quantos deles, ouvindo o Papa, se lembraram daquela passagem central sobre a “desorientação” que toma conta de nós diante dos problemas da vida quando “o adulto evita a dificuldade de uma encarnação da fé na vida e não se deixa questionar por ela...”. A carne de Cristo, a Encarnação, aquele “Deus que se fez pobre para caminhar conosco ao longo da estrada”. É Ele que permite não pararmos na superfície das coisas, na aparência, o que nos deixa inexoravelmente derrotados. E permite ir a fundo na realidade, no tecido de que é feita a nossa humanidade e o universo inteiro: o Mistério, a realidade da realidade.

Olhar o mundo dessa forma, como o Papa o olha – olhar o homem assim, começando por quem revela mais a sua necessidade, pelo pobre –, é outra coisa. É o verdadeiro ganho da fé. Dá outro gosto, outra segurança. Sobretudo, outra consciência. Permite começar a tratar o outro por aquilo que é: um mistério infinito.
Então, nesse número de Passos, junto com o resumo dos dois dias na Praça São Pedro, vocês encontrarão uma tentativa – limitadíssima, por favor; “irônica”, diria Dom Giussani – de olhar dessa maneira aquilo que temos ao redor. Começando pelos refugiados da Síria, que podem ser olhados como um problema, um número, uma questão política, mas que, ao contrário, são antes de tudo, homens que sofrem: a carne de Cristo. Assim como quem vive o drama de ter perdido o emprego, quem está doente, quem é eliminado antes mesmo de nascer... Homens como eu e você.