Passos N.152, Outubro 2013

A Sua amizade

Este editorial foi escrito em meio às discussões mundiais sobre a questão da Síria. Guerra em cima de guerra, morte em cima de morte, porque a violência vem devastando aquele país há anos, sob olhares mais ou menos distraídos e análises estéreis de razões e desrazões. Fazia falta o gesto imponente do Papa, na Vigília pela Paz, no início de setembro, para nos darmos conta do peso real de tudo quanto se passa ali, e para gritar aquilo que o coração do homem – mesmo o de Caim – reclama de Deus e dos outros: a paz.
Depois, olhando ao redor, mais perto, vislumbram-se outras emergências iminentes, talvez menos dramáticas, mas ainda assim sufocantes: desemprego crescente, aumento da inflação... Uma incerteza que quebra as pernas. Ou que torna ainda mais premente a pergunta: o que estamos fazendo no mundo? Que contribuição eu posso dar para fazer frente a estes problemas, para construir a história?

É a mesma pergunta que Dom Giussani tinha. Não por acaso, desponta logo nas primeiras páginas da belíssima biografia que Alberto Savorana acaba de lançar na Itália: “Eu não quero viver inutilmente: é a minha obsessão”. É uma carta de 1945, escrita quando era novíssimo sacerdote. Uma dentre as centenas de testemunhos, documentos e fatos de onde emerge o relato de uma vida seguramente fora do comum – marcada por um carisma – mas que nos é tão próxima, porque, como há tempos recordava padre Julián Carrón, “viveu as nossas mesmas circunstâncias e desafios”. As mesmas perguntas, exigências, necessidades. A ponto de poder oferecer um caminho para todos, pelo modo como ele mesmo as viveu. E de ter marcado – e marcar agora – a vida de milhares de pessoas.
Bastará folhear as páginas dedicadas ao Meeting de Rímini, nascido daquele carisma, para ver um exemplo significativo do que pode nascer de uma vida assim: podem ver em prática o oposto das muitas divisões que infestam o ar. Mas se olharmos ao nosso redor, onde quer que estejamos, podemos distinguir dezenas de exemplos deste tipo: de divisões recuperadas, de amizades imprevisíveis. De uma humanidade que floresce mesmo quando parece impossível, graças àquele caminho.
“Não quero viver inutilmente”. Nessa “obsessão”, Dom Giussani foi atendido. A sua existência, escreve Savorana, “é uma existência rica e plena, vivida sem descanso a partir da descoberta do Amigo que lhe revolucionou a vida inteira”: Cristo. “O Infinito e único Amor pessoal”, como lhe chama numa carta.
É pela força daquilo que gerou e gera que Dom Giussani continua a ajudar a quem encontra o seu carisma. Não pelo poder de uma organização – que não existia – ou pelo seu peso social e cultural – também estes só vieram mais tarde e podem sumir amanhã. Não: pela sua amizade com Cristo. Que floresceu em criança e despontou “no belo dia” (são ainda palavras dele) em que, no início do ensino médio, diante do Prólogo do Evangelho de João, entendeu que aquele Amigo é real, que o Verbo se fez carne. “O instante, desde então, deixou de ser banalidade para mim”.

Este livro não foi escrito para prestar homenagem a um personagem que nos é querido, mas para entendermos melhor que resposta é Cristo para a nossa vida, e a contribuição que podemos dar ao mundo, acolhendo a Sua amizade. Cada instante pode ser pleno, não banal, porque pode ser a descoberta d’Ele. E todo o homem pode ser nosso companheiro nesta descoberta. Um “irmão a proteger”, como nos pede o Papa. Falava da Síria. Mas principalmente de nós.