Passos N.156, Março 2014

Só a cultura do encontro pode deter a violência

A riqueza desta seiva [do Evangelho] pode fecundar um processo cultural [...] que faz crescer a humanização integral e a cultura do encontro e do relacionamento; este é o modo cristão de promover o bem comum, a alegria de viver [...] Entre a indiferença egoísta e o protesto violento, há uma opção sempre possível: o diálogo [...] A única maneira para uma pessoa, uma família, uma sociedade crescer, a única maneira para fazer avançar a vida dos povos é a cultura do encontro; uma cultura segundo a qual todos têm algo de bom para dar, e todos podem receber em troca algo de bom. O outro tem sempre algo para nos dar, desde que saibamos nos aproximar dele com uma atitude aberta e disponível, sem preconceitos. Esta atitude aberta, disponível e sem preconceitos, eu a definiria como “humildade social” que é o que favorece o diálogo. [...] Hoje, ou se aposta no diálogo, na cultura do encontro, ou todos perdemos.
Papa Francisco, discurso à classe dirigente do Brasil (JMJ, 27/07/13)

Uma criança queimada em um ônibus, assaltos com assassinatos, policiais mortos no cumprimento do dever, um adolescente acorrentado nu a um poste por “justiceiros”, um cinegrafista morto num protesto que deveria ser pacífico e supostamente reivindicar direitos da população, filhos que matam pais, pais que matam filhos e se matam, uma jornalista que parece defender a violência ilegal dos justiceiros e a humilde mãe da policial morta em serviço que não se viu apoiada por nenhuma ONG de defesa dos direitos humanos. Os jornais brasileiros começaram 2014 mostrando uma sociedade mergulhada na violência e na insegurança, onde a defesa dos direitos humanos parece estar submetida a discursos e posições ideológicas, onde a insegurança e os problemas sociais parecem justificar a violência.

Os estudos mostram que a violência não pode ser vencida com mais violência. O problema não é aumentar o rigor das penas ou a truculência das polícias, e sim garantir que os culpados sejam encontrados e punidos. Quem sofre com o aumento da violência são os mais fracos, não os mais culpados. A justiça deve estar a serviço do bem dos cidadãos e não de uma ânsia de vingança. Neste contexto, o encontro e o diálogo propostos pelo Papa Francisco não são uma ”bondade para com os criminosos”, mas sim a condição para construir uma sociedade mais humana, onde a justiça possa superar a violência.

Mas, para praticar o encontro e o diálogo, contrapondo-se ao senso comum que propõe o individualismo e a própria violência como alternativa à violência, é necessário viver na presença de um Acontecimento bom, que dê tranquilidade no presente e esperança no futuro. Anunciar e testemunhar este Acontecimento é o modo cristão de promover o bem comum, como lembra o Papa. Na apresentação de um livro de Dom Giussani, em Buenos Aires, o então Cardeal Bergoglio dizia:

Não se pode entender essa dinâmica do encontro que suscita admiração e a adesão a não ser que ela tenha sido disparada – perdoem-me a palavra – pelo gatilho da misericórdia. Só quem encontrou a misericórdia, que foi acariciado pela ternura da misericórdia, se dá bem com o Senhor [...] Ousaria dizer que o lugar privilegiado do encontro é a carícia da misericórdia de Jesus Cristo sobre o meu pecado. Frente a esse abraço de misericórdia – e continuo seguindo as linhas do pensamento de Giussani – temos mesmo a vontade de responder, de mudar, de corresponder, surge uma moralidade nova.
(Apresentação de “El atractivo de Jesucristo”, Feira do Livro de Buenos Aires, 2001)

Que todos nós experimentemos esse amor e possamos comunicá-lo ao mundo, para o nosso bem e de todo o povo brasileiro.