Passos N.188, Fevereiro 2017

Um início corajoso

Há uma palavra que ouvimos com frequência na virada do ano: início. Palavra muito bonita em si, mas às vezes difícil, até mesmo cansativa, de usar ou de escutar. Porque não se refere apenas ao ano que começa, mas a todas as incógnitas que ele traz consigo. No Brasil, dia 1º de janeiro mudaram os governos municipais, mas os problemas continuam sendo o que eram antes das eleições, tanto que às vezes parece que retornamos eternamente ao ponto de partida.
Mas mesmo no contexto mais geral, visto que janeiro traz consigo o início da imprevisível presidência Trump, o eco dos atentados de Berlim e Ancara, a guerra na Síria... Assim, a ideia de começar do zero pode ser uma perspectiva já carregada de sombras, de desconfiança. Ou – coisa igualmente frequente – pode ter o sabor de rotina. Como se o ano novo, no fundo, não pudesse trazer novidades reais.

No entanto, como escrevia o poeta Cesare Pavese, “a única alegria no mundo é começar. É belo viver porque viver é começar, sempre, a cada instante”. Pensando bem, não há ação ou frase que não sejam um início. Até o gesto mais banal, mesmo a palavra mais óbvia e repetida (sair de casa de manhã, dizer “oi” a um amigo) é sempre uma ponte lançada entre o meu eu e a realidade, expressa uma expectativa, um desejo de bem. Consciente ou não.
Tomar consciência disso preenche o tempo imediatamente, lhe dá uma densidade e um gosto diferentes. Transforma-o numa ocasião de descobrir algo, de si e do mundo. No fundo, é isso que se pode surpreender, percorrendo esta Passos. Percebemos que existe um outro início nestes artigos e testemunhos, como a experiência de recuperação e reintegração social dos condenados em meio à crise carcerária que o Brasil vive.

Mas o coração deste número revela-se ao virar a página, agora. O leitor encontrará um presente que o Papa Francisco deu a todo o Movimento de Comunhão e Libertação, ao endereçar ao padre Julián Carrón uma belíssima carta, que deve ser estudada a fundo. Porque nos leva a compreender o que este início permite, onde encontra a sua linfa. E faz isso indicando – como ele diz – um programa radical: “Voltar às origens não é um dobrar-se sobre o passado, mas é força para um início corajoso dirigido ao amanhã”. Boa leitura. E bom início de ano.