Passos N.211, Março 2019
Um tópico para retomarSerá que nós realmente acreditamos que o outro seja “um bem para mim”? Ou melhor, percebemos isso em nossa experiência cotidiana? Porque, quando repetimos isso novamente, dizendo uma frase que os nossos leitores têm visto muitas vezes nos nossos artigos, não o fazemos para articular teorias sociológicas, nem para chamar a atenção a um esforço moral, um mal-entendido “nós nos amamos”. É para nos ajudar a olhar para a nossa experiência. Para julgar se é verdade ou não que sem a comparação com o outro eu nunca poderia crescer, tornar-me consciente de quem eu sou e colocar à prova o que penso. Em suma, sem você eu não seria eu mesmo. É assim ou não?
E cuidado: não estamos falando apenas dos que estão “longe”. O outro é qualquer um. Mesmo quando está próximo, sintonizado com minhas ideias, ou talvez há anos faça parte da minha história pessoal – um amigo, um filho, marido ou esposa –, continua irredutivelmente diferente de mim. Tem a mesma conotação básica de quem eu encontro pela primeira vez: não é feito à minha imagem e semelhança, como gostaria que fosse ou como tenho em mente. É dado a mim.
Por isso é essencial retomar o fio do diálogo. Com certeza é assim num mundo onde erguer muros entre homens e povos se tornou um atalho comum para escapar de muitos medos. Mas é ainda mais se olharmos para o nosso dia a dia, nossas vidas. E a melhor maneira de entender, como sempre, é olhar. Ir e ver onde nasce, como pode florescer essa estranha “relação com o outro, qualquer um e de qualquer modo que seja”, indispensável “para que a minha existência se desenvolva, para que o que eu sou seja dinamismo e vida”, como dizia Dom Giussani. Ir e ver, porque sendo um relacionamento real, e não uma ideia – experiência, não teoria –, o diálogo acontece onde você menos espera.
Em 26 de dezembro, na histórica Biblioteca de Alexandria do Egito – o coração milenar da cultura islâmica –, um fato desse tipo aconteceu. A tradução árabe de A beleza desarmada, o livro de Julián Carrón, guia de CL, foi apresentado. Um evento que passou um pouco despercebido, perto das férias de Natal. Mas é útil recuperá-lo. Não apenas pelo evento em si (o que, no entanto, é impressionante: que o livro de um padre católico centrado na proposta cristã encontre uma porta aberta no mundo muçulmano não é tão óbvio), mas pelo método que indica: o diálogo. Um encontro entre pessoas – uma amizade – que permite ampliar a razão e abrir espaços de liberdade e enriquecimento mútuo onde parece impossível.
A aposta é que o que aconteceu lá, como as outras histórias contadas nesta edição (as palavras de Costantino Esposito no Rio Encontros, a história dos mártires da Argélia), nos ajude a lidar com a realidade que nos rodeia. Que nos faça vislumbrar um caminho possível onde estamos, nos relacionamentos com todos os outros que povoam nossas vidas. Porque nós precisamos disso, mais do que nunca.