Passos N.212, Abril 2019

O nó

Quanto mais o tempo passa, mais a evidência vai ficando nítida: a crise que estamos vivendo há tempos – essa famigerada “mudança de época” da qual todo dia descobrimos novas facetas – tem um aspecto ruim. A confusão e a desorientação desembocam cada vez mais em rancor, raiva, tensão. É como se houvesse um endurecimento generalizado da musculatura e do coração perante uma ameaça que se revela concreta, mas ao mesmo tempo vaga, não identificável num ponto preciso. E então se responde fechando-se ao outro, quem quer que seja: erguendo muros, intensificando fronteiras e divisões. Palavras essas que têm marcado esta estação política. Em toda parte.
Porque o fenômeno é global: atinge o Brasil, que após tantas tragédias e confusões políticas vê sua população cada vez mais dividida; a Europa, que se despedaça sob os tiros dos neosoberanismos; os Estados Unidos de Trump; a crise da Venezuela... E o denominador comum, o que está por trás desse fechamento em si mesmo, no fim das contas é simples: o medo. Medo de perder o que se tem – ou de não conseguir alcançar o que se imagina. Medo ao ver desmoronar certezas e hábitos. Medo de se descobrir, em última instância, irrelevante, arrastado por fenômenos muito maiores do que nós: a imigração, a globalização... “Esta crise não é, acima de tudo, política ou econômica, mas antropológica, porque tem a ver com os fundamentos da vida pessoal e social”, observou Julián Carrón algum tempo atrás numa entrevista ao Corriere della Sera.

Pode parecer estranho dizer que o grande nó que a política deve desatar hoje seja justamente essa incerteza existencial, antes ainda das discussões sobre a economia, a política externa ou os imigrantes. Contudo, se é verdade que a raiz da crise é tão profunda, perguntar-se de onde é possível recomeçar para construir uma casa comum mais sólida coincide, no fim, com uma pergunta radical: o que pode derrotar esse medo? Não é uma questão para sociólogos. Enquanto não for encarada, não entramos no mérito real dos problemas. Se não for levada em consideração, sendo considerada óbvia para passarmos apressados ao “depois”, ao como resolver “as questões concretas”, ficamos condenados a permanecer na superfície e, em última instância, estéreis: tapando um vazamento, abre-se outro maior mais para lá. Se, porém, nos damos conta de que o horizonte é esse, até o jeito de encarar as “questões concretas”, muito concretamente, muda.

E aqui entra em jogo a outra questão tão importante: o que é que nós católicos temos para oferecer sobre isto? A fé tem algo a dizer diante dessa incerteza? É capaz de gerar pessoas que não fiquem sufocadas, que descubram o gosto e a paixão em trabalhar – onde estiverem, pouco importa a função – para construírem juntas? É capaz de gerar testemunhas de uma superabundância que reaviva o interesse pelo bem comum, de uma “forma de vencer o medo adequada aos desafios hodiernos”, como disse Carrón naquela entrevista? Pois bem: a Passos, desta vez, fala disto. Tanto nos Destaques, onde contamos histórias ao alcance de todos, quanto nas cartas, na reportagem sobre a Venezuela... Porque há pessoas que constroem. Para todos.