Passos N.216, Agosto 2019

Espaços humanos vivos

O ponto de partida, desta vez, é um documento publicado há algumas semanas. Chama-se “A liberdade religiosa para o bem de todos”, que é o fruto de mais de quatro anos de trabalho de uma comissão de teólogos do mundo todo. Não se trata de um texto só para especialistas, ao contrário. É sobretudo uma grande ajuda para recolocar nos trilhos muitos fatores decisivos, no caos em que vivemos imersos.
O motivo é simples: é só na relação com um significado que encontramos a bússola capaz de orientar a nossa vida. Sem isso, ficamos entregues à confusão. E só se esse significado tiver um rosto que transcenda o que vemos e tocamos, se for de algum modo Deus – qualquer que seja o seu nome – é que tudo pode voltar a tomar a forma adequada.
Vale para a vida social, onde apenas uma liberdade religiosa bem entendida e também bem custodiada permite recolocar em seu devido lugar a Deus e a César, religião e política, sem instrumentalizações recíprocas que na história já mostraram todos os seus limites dramáticos e hoje correm o risco contínuo de serem repropostas.
Mas vale também para a nossa vida pessoal, porque é na ligação reconhecida e acolhida com o Mistério que cada coisa se coloca onde deve estar, é redimensionada – o que não quer dizer reduzida – mas sobretudo reconduzida à sua justa dimensão, sem aqueles atrasos quotidianos que nos levam a esperar a satisfação, a realização dos nossos desejos, às vezes até a salvação, de coisas particulares: da família, do trabalho, dos amigos, da própria política... Coisas importantíssimas, mas pequenas demais para responder ao nosso coração se separadas do seu Destino último, até quando correm como nós as pensamos. Imaginemos então quando isso não acontece.

Por isso, para que o homem não seja “condenado ao sem sentido e ao desespero” – como observa o teólogo Javier Prades no diálogo que se encontra mais adiante –, é que é necessária a existência de “espaços humanos vivos onde se possa narrar a experiência do sentido do nascer, do viver, do trabalhar, do amar, do morrer”. É um bem para todos.
É na relação com um Outro que o nosso eu encontra consistência, que a nossa humanidade floresce. Ou refloresce continuamente. Nós veremos isso no próximo Meeting de Rímini, que nos aguarda de 18 a 24 de agosto. O título desta edição foi tomado da célebre poesia de Karol Wojtyla sobre Verônica: “O teu nome nasceu daquilo que teus olhos fixavam”.
Mas enquanto isso, é o fio condutor desta Passos. Um fio que reaparece também nos “Percursos”: a partir do esplêndido testemunho do pe. Pigi Bernareggi. Boa leitura!