Passos N.222, Março 2020

Na minha raiz

Difícil encontrar um tema mais transversal, no espaço – realmente afeta a todos, em qualquer latitude – e no tempo – toca a todos da mesma maneira, desde os idosos, cada vez mais isolados, até os jovens, em relação aos quais existe agora toda uma literatura sobre como estão “juntos mas sozinhos” (expressão de Sherry Turkle, famosa socióloga americana). A solidão é um fato que afeta a vida de cada um de nós. E isso não depende apenas de quantos vínculos temos, de nossa rede de relacionamentos mais ou menos rica. É uma experiência igualmente comum nos sentirmos sozinhos mesmo quando estamos cercados por amigos. De fato, talvez sejam as ocasiões em que sentimos mais a radicalidade desse fator.
“A solidão verdadeira não provém do fato de se estar fisicamente só, mas sim da descoberta de que um problema fundamental nosso não pode encontrar resposta em nós ou nos outros”, observava Dom Giussani: “Pode-se perfeitamente dizer que o sentimento da solidão nasce exatamente no coração de cada empenho sério com a própria humanidade. Pode entender bem isso quem acredite ter encontrado a solução de uma grave necessidade sua em alguma coisa ou alguém: e isto desaparece, escapa-lhe, ou se revela incapaz”. Há um ponto último em que estamos implacavelmente sozinhos. Porque nada do que temos diante de nós, e no qual gradualmente depositamos nossas expectativas de realização, pode preencher-nos o coração.
Portanto, é uma condição estrutural e inevitável. Mas a solidão, então, é uma condenação? A experiência dramática que todos temos de um estado de espírito tão agudo que às vezes é insuportável, é sem saída? Quanto tempo, energia e dinheiro se usam para fugir dos momentos em que estamos sozinhos com nós mesmos! Ou quanto medo temos, normalmente, do silêncio? Em suma, devemos resignar-nos ao fato de que nossa própria humanidade é um inimigo para nós, ou há outra possibilidade?

É o caminho que vamos explorar neste número. Que essa solidão não é apenas isso, mas uma ferramenta para o conhecimento de nós mesmos e da realidade. Aliás, que justamente essa fronteira última do eu é o lugar para ancorar o relacionamento com o Mistério de uma maneira finalmente profunda, consciente, nossa. É o âmbito no qual descubro meu vínculo original com Deus, que me faz ser agora, que é um companheiro constante para mim, por estar na raiz de mim mesmo. E no qual é revelado o modo único e original com que Ele responde às minhas expectativas e perguntas. Além de qualquer forma externa, organização e até amizade.
Em Deixar marcas na história do mundo, Dom Giussani observa que o encontro cristão, “totalizante por natureza, torna-se com o tempo a forma verdadeira de todos os relacionamentos, a forma verdadeira com que olhamos para a natureza, para nós mesmos, para os outros”. Salientando: “Forma e não simplesmente âmbito de relações”, porque “não estabelece apenas uma companhia como lugar de relações, mas é a forma com que estas são concebidas e vividas”. Pois bem, é somente criando raízes no fundo do nosso eu – isto é, respondendo a essa última solidão – que Cristo pode começar a dar “forma” à vida, a plasmar a consciência que temos de nós. E para nos fazer descobrir, num sobressalto de maravilhamento, que aconteça o que acontecer nunca estamos realmente sozinhos. Porque Ele é.