Passos N. 234, Abril/2021

A vacina

“Como reajo eu às situações funestas?”, perguntou o Papa Francisco durante a sua visita ao Iraque. “Em vista das adversidades, apresentam-se sempre duas tentações”. A fuga ou a raiva, disse. Que não mudam nada. “Ao contrário, Jesus mudou a história. Como? Com a força humilde do amor, com o seu paciente testemunho. O mesmo somos nós chamados a fazer; assim Deus realiza as suas promessas.” E foi de uma promessa que jamais se frustra – que se cumpre por caminhos sutis, inimagináveis, através da nossa fraqueza – que o Papa Francisco falou diante daquelas “testemunhas muitas vezes transcuradas nos noticiários, mas preciosas aos olhos de Deus”. Ele olhou para elas, admirou-as e apresentou-as a todo o mundo.

Por isso quisemos dar espaço à sua visita à terra de Abraão, às palavras e aos gestos desses poucos e intensos dias entre Bagdá, Arbil, Mossul e Qaraqosh. Nos lugares onde a violência destruiu tudo, o Papa indicou uma realidade presente: existências nas quais o mal e a morte não são a última palavra, porque Cristo ressuscitou. A vitória da familiaridade com Deus baseia a vida de homens e mulheres, concretiza-se no perdão, em histórias precisas, rostos: é o povo cristão, uma presença humana que parece derrotada pela história. No entanto, eles, perseguidos, foram desprovidos de tudo sem terem perdido nada, pois têm o tesouro que vale mais do que a vida: foram tecidos numa relação, no pertencimento a Cristo.

Parar diante deles e olhar, como fez Francisco, pode ser uma contribuição à situação em que todos estamos. “Há momentos em que a fé pode vacilar, quando parece que Deus não vê nem intervém”, disse. “Sentistes a verdade disto nos dias mais negros da guerra, e é verdade também nestes dias de crise sanitária mundial e de grande insegurança.” Mas não é uma questão de resiliência. É que, quando a vida urge, fica mais claro aquilo que está à altura: encontrar pessoas “que vivem perto de nós e são um reflexo da presença de Deus”.

Pessoas que, em vez de fugir, tocam a realidade, vivem-na, sem ficar à mercê das circunstâncias, do sofrimento, da injustiça, do apagão em Macapá ou das necessidades das famílias da periferia de Boston, das restrições diárias em todo o globo. É o que vocês vão ver nestes relatos, nos quais é visível que do encontro com Cristo o eu renasce, e nasce um sentimento novo da vida que nos torna protagonistas. “Sabemos como é fácil ser contaminado pelo vírus do desânimo, que às vezes parece difundir-se ao nosso redor”, lemos no discurso de Bagdá. “Mas o Senhor deu-nos uma vacina eficaz: é a esperança”.

A certeza de já não estarmos sozinhos. “Não esqueçamos jamais que Cristo é anunciado sobretudo com o testemunho de vidas transformadas pela alegria do Evangelho. Uma fé viva em Jesus é ‘contagiosa’, pode mudar o mundo”.