Passos N.236, Junho 2021

Um fato pessoal

A palavra perdão é tão grande, que gostaríamos de diminuí-la, desviá-la de sua totalidade, se não rejeitá-la. Entretanto, a necessidade de perdão é irredutível, pois diz respeito à essência da nossa pessoa. Depois do mal, cometido ou sofrido, torna-se ainda mais ardente o que na realidade é o desejo de cada momento: que tudo seja novo, mais uma vez, e sempre.
No livro Deixar marcas na história do mundo, Dom Giussani escreve que, do “sim” que Pedro diz a Jesus quando lhe pergunta “Tu me amas?”, nasce uma “realidade nova por meio do perdão”, porque “destrói qualquer ressentimento, qualquer lembrança de todas as traições daquele pobre homem que tinha à sua frente”. Neste número de Passos, o teólogo italiano padre Franco Manzi explora como esse perdão, aceito, gera uma concepção de si mesmo e de um povo que é nova, porque se funda “na graça de Cristo, e não mais no fazer”. É um “sim”, o de Pedro, que se pronuncia porque o rosto que lhe pergunta “Tu me amas?” é um rosto “cheio de perdão”.

Não é diferente da novidade que germinou no coração de Margaret Karram, uma palestina nascida em Israel, quando ainda era pequena e se fechou por causa da ferida causada por outras crianças: então ela olha para a mãe, que lhe pede que os convide para a casa dela. “Não entendia como podia perdoar àque­las crianças, mas por amor a minha mãe eu disse sim”. Na conversa com ela, a nova presidente do movimento dos Focolares, bem como na história de Marcel Uwineza, sobrevivente do genocídio em Ruanda, encontramos a força de um caminho de liberdade, muito humano, mas que se alimenta de um amor incondicional do qual o homem não é capaz, ele o recebe.
É por isso que é possível para ele não esquecer e enfrentar a realidade. Mesmo onde o perdão parece impensável, como na “guerra de todos os tempos” que estourou novamente, entre Israel e Palestina (à qual dedicamos a capa). No momento em que escrevemos, um cessar-fogo foi declarado, a trégua parece se manter e o Papa pediu a toda a Igreja que “implore o dom da paz”. O dom supremo, que soa como uma utopia, começa a sua fecundidade em algumas vidas: o fato de uma pessoa se deixar investir pela presença de Cristo, como o foi para Pedro, parece secundário aos grandes acontecimentos, aos grandes cenários, mas é a única coisa que muda o que está destruído.

“A reconciliação é um fato pessoal”, lemos na encíclica Fratelli tutti: “Ninguém pode impô-la ao conjunto de uma sociedade. Não é possível decretar uma ‘reconciliação geral’, pretendendo encerrar por decreto as feridas”. O “sim” de um homem é um fato pessoal, mas se liga ao destino de todos. Como enfatiza Julián Carrón no livro Há esperança?: “A relação que o Mistério feito carne, Cristo presente aqui e agora, estabeleceu conosco é dominada pelo perdão, é perdão. Apoiados neste perdão, recomeçamos mil vezes por dia. Só no perdão nossa vida renasce, só no perdão há construção”.