Passos N. 238, agosto 2021

O que resta?

O presente é a única coisa que temos. E é paradoxal, pelo fato mesmo de o termos, sentir em nós essa tensão inexaurível a vivê-lo, a estar presentes no presente. É que ele nunca está cheio. Absolutizado, perde o fôlego; para retomá-lo, torna-se uma contínua fuga para a frente. Vamos aprender alguma coisa? Esta foi a pergunta de fundo na pandemia. Atravessamos meses em que um vírus nos deixou na frente do que é essencial na vida, mas o que ganhamos como ajuda para vivê-la? O vírus se comporta como muitas outras coisas: acontece, impacta-nos, quase nos obriga a abrir os olhos para o fato de a existência não nos pertencer, e nos faz descobrir-lhe a grandeza de puro dom. Depois passa. E costuma passar também a novidade de olhar pela realidade que nos invadiu. O mesmo se dá com os momentos de alegria ou o choque de uma tragédia que rasga o véu da aparência no retorno à normalidade.

O que resta do que vivemos? O presente está onde se revela a resposta. Nesta edição seguimos a provocação de Rosa Montero, famosa escritora e jornalista espanhola, que nas colunas do El País, diante das comemorações pelo fim da crise sanitária, diz que é inevitável voltar à estaca zero, recaindo na obviedade. “A pandemia” disse, “deveria ter-nos ensinado algo a respeito da vibrante e única verdade do presente, deste exato instante em que vivemos”. Mas, a seu ver, nós não aprendemos nada, sempre adiamos a plena consciência da vida para outro momento. “Como se o presente fosse só uma estação de passagem” e nós, viajantes rumo a uma meta – a felicidade – que nunca chega: há só o hoje, o aqui e o agora.

E o que nos diz o hoje, aqui e agora sobre a nossa vida? Por que é razoável afirmar que este instante preciso em que vivemos tem consistência, é o início e não o fim? O diálogo está aberto, e por isso propomos o que aconteceu numa assembleia com Julián Carrón e as comunidades do Movimento da Eurásia. O encontro com Cristo escancara a razão para ver a profundidade última da realidade e da nossa existência. Sabemos que crescemos como homens quando nos surpreendemos por existirmos; começa um novo jeito de viver o presente, sem escaparmos e renunciarmos à promessa de realização.

É possível não adiar a felicidade? A necessidade de “aprender a aprender”, a necessidade de perguntas vitais e não de receitas, a busca por respostas dignas da própria humanidade: é a linha que atravessa as entrevistas e as experiência dos “Destaques”, que são a nossa contribuição ao tema do próximo Meeting de Rímini, o evento cultural europeu de 20 a 25 de agosto, que tem como tema: “A coragem de dizer eu”. O que é essa coragem, o que significa dizer eu? Ao encararmos as perguntas que se mostram implacáveis, abre-se o espaço para responder.