Passos N. 241, novembro 2021

Fome de nascer

O Encuentro Madrid, evento cultural que acabou de acontecer, teve como tema a esperança, e num dos diálogos desta edição citaram a filósofa María Zambrano, autora de páginas extraordinárias sobre a esperança. Ela a descreve como uma ponte que permite o impossível: passar por sobre o rio impetuoso da vida e pelo tumulto interior. Ela reabre o fluxo do tempo quando este parece fechar-se. Assim a esperança descobre suas raízes justo na frente do que é um obstáculo, dentro da corrente contrária. E a corrente hoje é forte.

Pode ter a cara do desinteresse ou do abstencionismo, e não só políticos. Pode ser o medo de viver, ou um viver ressentido consigo mesmo, com os outros, e até com uma mudança que não ocorre – como a promessa não mantida de que a pandemia traria o essencial de volta para o centro das atenções, na vida pessoal e no debate público. Só que as coisas voltam a ser como antes e ficam óbvias, o que é importante consome-se numa série de apelos: a repensar a economia, a repensar o trabalho, a escola, a ecologia, a saúde, a repensar a vida. Apelos a uma orientação diferente, que só fazem criar outros apelos.

Mas o que esperamos não pode ser adiado, a necessidade de uma luz clara para vivermos não pode ser adiada. “Se você quer entender a realidade, se quer entrar na realidade, é preciso nascer de novo.” A radicalidade das palavras de Dom Giussani repropostas no Dia de Início de Ano de CL, que publicamos em outubro, é o fio condutor dos testemunhos que vocês vão encontrar nesta edição. Ainda há algo que suscite e atraia todo o meu desejo? Ainda há algo que, em qualquer situação, saiba acender o homem, esse homem que, diz Pascal, “é um ponto invisível dentro da enormidade do espaço” e, ainda assim, é maior que qualquer catástrofe?

Nascer de novo, de acordo com as palavras de Jesus a Nicodemos (a quem dedicamos a capa), é receber o dom de um encontro que proporciona uma percepção nova de si, da qual brota uma capacidade de afeição, uma abertura, nas dificuldades, na doença, no estudo ou no acordar quebrado de manhã. É um saber-se amado, sem o quem vivemos cínicos ou fugindo do que não está resolvido em nós. Renascemos ao seguir esse encontro, no qual cresce a surpresa do relacionamento presente com Cristo, hoje como no início: “Há dois mil anos a vida nova era estar com a Sua presença”, continua Giussani, “acontecia, estando na Sua presença, como que uma ebulição, uma renovação de si: nascia, nascia o eu! Nascia o eu com sua consistência transparente, cristalina, com sua força viva, com sua sede e capacidade de querer bem, com sua humanidade; em suma, nascia o humano dentro de si”. O humano que, para Zambrano, é continuamente constituído e impulsionado pela “fome de nascer completamente”.