Passos N. 257/258, maio/junho 2023

A lei da existência

“Ao homem que sofre, Deus não dá um raciocínio que explique tudo, mas oferece a sua resposta sob a forma de uma presença que o acompanha”. Assim o Papa Francisco, na frase escolhida para o Cartaz de Páscoa de CL, diz que Deus “quis partilhar conosco esta estrada”, no fato escandalosamente simples de uma história de bem que é “uma brecha de luz” em cada sofrimento. Dom Giussani definiu-o como um dom de si, comovido: “A caridade de Deus para com o homem é uma comoção, um dom de si que vibra, agita, se move, se realiza como emoção, na realidade de uma comoção: é comovido. Deus que se comove!”. E para que a vida fosse dominada por esse amor, em um mundo onde a ideia de caridade é reduzida, Giussani propôs, desde o início do Movimento, um gesto que educasse a consciência da nossa necessidade: a caritativa. Por isso, milhares de pessoas, em diversas partes do mundo, vão juntas e fielmente visitar os asilos, as habitações populares, as prisões, os moradores de rua...

Se temos algo bonito, queremos comunicá-lo aos outros; se vemos alguém que está pior do que nós, queremos ajudar. É uma necessidade tão natural que Giussani a chama de “lei da existência”. No texto O sentido da caritativa, ele toma este impulso, tão original que quase não temos consciência dele, e o desenvolve em toda a sua dignidade e força, o escancara ao propósito, ao que dá sentido a esta aspiração e a cumpre: “Cristo revelou o porquê profundo, o significado de tudo, mesmo do sofrimento, a caridade, a lei suprema é a caridade”. Um Deus que “amando-nos, não nos enviou suas riquezas, revolucionando nossa situação, mas se fez miserável como nós, ̒compartilhou’ nosso nada”. É por causa desta comoção que também sentimos dentro de nós mesmos todo o desejo do outro, de qualquer outro, pelo seu próprio destino.

Para Giussani, o gesto da caritativa não está ligado a uma ideia de justiça social e de sentimentalismo, como lemos em sua biografia: “Pode muito bem não haver o chamado resultado ‘concreto’. Mas estamos fartos daqueles que dizem ‘concreto’ algo diferente da pessoa, o valor puro e simples do ‘eu’”. Para ele, também é ambíguo partir da necessidade dos outros. “O que eles precisam eu não sei, eu não o meço, eu não o tenho. Nem mesmo a sociedade mais perfeita, a maior riqueza, a saúde melhor, a beleza mais pura, a civilização mais ̒educadaʼ, pode deixá-los satisfeitos. É Cristo quem os faz felizes, quem é a razão de tudo, quem fez tudo: Deus”. Assim, através da impotência do próprio amor, aprende-se a gratuidade: “Justamente porque os amamos, não somos nós que os fazemos felizes”. Os testemunhos nesta edição falam da caridade em alguns cantos do mundo, onde muitas vezes não é claro quem acolhe a quem. Porque todos nós precisamos de amor gratuito. E, convém sublinhar, que é diferente fazer trabalho voluntário e viver esta escola de caridade, onde não há contabilidade. O que está em jogo é sempre uma relação pessoal, nunca mecânica, pois é mais fácil entregar uma cesta básica e ir embora do que ficar diante do grito de vida do outro, sem abafá-lo. A ponto de se perguntar: e a minha esperança, onde está?