Passos N.41, Julho 2003

O despertar do desejo e o início da resposta

Diariamente, as principais manchetes dos jornais chamam a atenção para a violência cotidiana com que vivemos, nas grandes cidades como nos campos. São sinais que caracterizam a nossa época os duros conflitos entre blocos opostos, fechamento sobre os próprios interesses, uma falta de gratuidade e uma corrosiva superficialidade nos relacionamentos.
O clima da vida social e política, no Brasil e no mundo, não é o mais adequado a favorecer o emergir das perguntas últimas sobre o destino e o desejo de felicidade que caracterizam o coração de cada homem. Vivemos sob o “efeito Chernobyl”, como nos definiu padre Giussani: uma redução dos desejos constitutivos do eu, redução operada pelo poder, que nos deixa “míopes” e “afetivamente enfraquecidos”.
Nesse panorama, então, qual o sentido em se falar da felicidade?

Sobre o tema da felicidade falam todos os filósofos e poetas, e até os sociólogos e os psiquiatras discutem sobre isso há tempos. Mas a felicidade como discurso é chata. No dia-a-dia a felicidade permanece como um argumento bonito, mas paradoxalmente inútil, até que não nos debatemos em alguém que nos propõe a experiência.
Assim acontece, mesmo que confusamente, para o rapazinho que entrevê um sonho de felicidade ao apaixonar-se, ou para a mãe que responde ao filho, ou para qualquer um que encontre alguém ou alguma coisa que pareça prometer a realização do seu desejo. O problema da felicidade na vida começa a ser concreto quando algo ou alguém te chama a atenção para isso. Quando o problema da felicidade se encontra com aquele da liberdade, isto é, do responder. É o que aconteceu a Abraão no momento no qual Deus o chamou, início de uma história que dura até hoje.

Neste número de Passos o leitor encontrará alguns testemunhos que documentam o início da reconstrução da vitalidade do humano: o encontro com uma presença humana excepcional, que desperta o desejo e o realiza, dentro da vida cotidiana. Um escritor, uma monja de clausura, um coveiro, um operário, uma professora universitária e uma dona de casa, cujas liberdades disseram “sim” à pergunta: “Há um homem que quer a vida e deseja dias felizes?”.

Para nós, falar de felicidade não é o início de um discurso, mas uma proposta a homens livres, que podem responder sim ao Mistério que os chama. Este é o desafio do cristianismo: Deus se fez carne e habita entre nós. Isso significa que o impossível pode acontecer, pois já aconteceu. Então é possível desejar o impossível, desejar ser felizes mesmo diante dos problemas, da dramaticidade da vida e da violência que nos circunda.