Passos N.43, Setembro 2003

A exaltação do eu

Há vários anos, sentado à mesa num ruidoso e cordial jantar, durante a anual manifestação cultural de Comunhão e Libertação em Rímini (Itália), o Meeting pela Amizade entre os Povos, o escritor judeu-americano Chaim Potok entoou o Salmo 8: “Ó Senhor, o que é o homem para que dele te recordes, o filho do homem para com ele te preocupares?” - do rei Davi. Potok disse que já não se sentia parte dessa tradição, mas em Rímini veio-lhe o desejo de cantar esse salmo. No ano passado, ele faleceu. Mas essa sua canção de certo modo continuou e se amplificou este ano, nos encontros de todos aqueles que, em Rímini, na 24º edição do evento realizado entre 24 e 30 de agosto, reencontraram-se com suas raízes, e mesmo com as surpresas do passado.

Isso pôde ser visto e ouvido nos discursos de personalidades religiosas como Archie Spencer, ministro batista no Canadá, ou David Brodman, rabino de Tel-Aviv, ou Ali Kleibo, muçulmano de Jerusalém, ou também padre Mauro Lepori, padre Sérgio, padre Cláudio, monges beneditinos, ou intelectuais como o americano Joseph Weiler ou empresários como o francês François Michelin. Pôde ser visto no modo como milhares de pessoas participaram de um evento que, evidentemente, nasce de um Fato, cuja grandeza é desproporcional às energias de quem o realizou como também às tentativas de explicação e compreensão.
O ponto de partida de cada homem, através do caminho da tradição e da cultura, é uma promessa, um chamado à felicidade. A preguiça, as idéias hoje dominantes e a dureza da vida parecem, às vezes, encobrir ou trair tal promessa.

Na saudação conclusiva do Meeting, padre Giussani invocou a piedade de Deus, que suscitou na história a aventura de Maria, primeiro passo e método do mistério da Encarnação: ela acolhe e sustenta o desejo que tal promessa suscita, oferecendo-se como resposta positiva e libertadora das energias da pessoa. “Morte, onde está a tua vitória?”, pode dizer, mesmo em plena provação, o homem que foi encontrado por Cristo. É a descoberta de uma perspectiva, de uma esperança que afunda suas raízes no presente.
De fato, a certeza de uma positividade em ato na História se chama esperança, que racionalmente pode mobilizar os homens para qualquer tipo de empreitada. Assim, entre necessidades e limites, a personalidade do indivíduo completa-se na vida de um povo: acontece uma exaltação do eu, do pobre eu de cada um de nós, e não daquele eu abstrato que só existe nas páginas dos jornais.

O Meeting foi um lugar acolhedor e exemplar desse povo, que não tem a pretensão de já ter chegado, pois tende continuamente para a meta.