Passos N.47, Fevereiro 2004

A copeira e a história do mundo

Um dos imperativos não escritos do mundo de hoje obriga a pensar que, para se sentir vivo, é necessário mudar com muita freqüência. Mudar de casa, mudar de amor, mudar de trabalho, mudar de aparência.
O poeta T.S.Eliot, em Os Coros de “A Rocha”, adverte:“O mundo roda e muda, /Mas uma coisa não muda./ A luta perpétua do Bem e do Mal”. Ou melhor, a luta, a diferença entre aquilo que realiza completamente o desejo e aquilo que o ilude ou deprime.

Muda a história, pessoal e coletiva, mudam os lugares, os costumes. Nesta última década presenciamos uma série impressionante de mudanças na política mundial, nos comportamentos, na moda e nos meios à disposição do homem. No entanto, o coração da vida da pessoa, aquilo que São Paulo chama de “mentalidade”, pode ficar sempre igual, imóvel. E no meio da longa luta entre aquilo que se percebe como o bem e como o mal, fica sempre sem rumo, incerto. Uma mentalidade, um eu, no fundo, encolhido, talvez suspenso entre grandes impulsos e amargos transbordamentos. De modo que, entre desejos e depressões, parece que as contas ficam quase sempre em zero. E o eu parece não ter uma identidade, uma vida real, completa. Mas somente uma aparência de existência, quase como se fosse um dever refugiar-se em uma vida virtual para escapar, por alguns instantes, do desespero.
Mesmo o período que viu nascer o cristianismo era marcado por grandes reviravoltas, por mil propostas e pelos mais variados convites, que passavam pela sedução espiritual e por grandes ideologias. Naquele contexto, o cristianismo não se colocou como um “novo discurso” sobre o mundo e sobre o homem. Foi um encontro, um persuadir feito por uma amizade, nascendo do próprio Jesus de Nazaré e se espalhando pelos confins da Terra. As pessoas marcadas por esse encontro colocavam a possibilidade de uma vida verdadeira para o próprio “eu”, um renascimento ou recriação, um início de plenitude. Ainda hoje acontece assim. Do mesmo e idêntico modo.

O fato vence a ideologia, porque, como escreve Alain Finkielkraut, “a ideologia é a recusa de fazer justiça nas coisas humanas à imprevisibilidade e àquelas formas de desalojamentos constitutivas do evento, do encontro com algo que já estava lá”.
Em Minneapolis, uma copeira do hotel de onde, em janeiro, ocorreu o encontro dos responsáveis do movimento Comunhão e Libertação nos EUA e no Canadá, enquanto servia água aos presentes, ficou tocada pela intensidade dos testemunhos, coisa que jamais tinha visto e ouvido. E pediu para si e para o seu filho a possibilidade de unir-se àquela estranha amizade.
Para estar vivo não é necessário fazer um enorme esforço para mudar a própria vida. É preciso somente - enquanto se serve água ou se está fazendo qualquer outra atividade - estar disposto ao acontecimento de um encontro inesperado.