Passos N.49, Abril 2004

Olhar para a Igreja para sustentar a esperança dos homens

Vivemos um tempo terrível. Muitos o chamam “tempo de guerra”. Certamente é um período de grandes e horríveis massacres, de cenas de ódio que nos deixam atônitos. Há uma inquietação e um medo generalizados. Ninguém está seguro. Multiplicam-se as análises, fazem-se conjecturas de todo tipo. Em muitos casos, nos jornais e em praça pública, a ideologia voltou a ser o modo de se fazer a leitura da realidade, sem levar em conta os fatos.
Se, de um lado, há quem insensatamente chega a comparar o terrorismo a uma espécie de guerra justa dos pobres contra os ricos (proclamado e posto em execução, na realidade, com objetivos de poder e de ataque aos países árabes moderados e ao Ocidente), por outro, se afirma a guerra como o único remédio para os males do mundo. Assim, porém, só se obtém mais ódio e uma perspectiva mais nebulosa para todos.

“Nós amamos a morte mais do que vocês amam a vida”: com essas palavras, aqueles que reivindicaram a autoria do atentado em Madri quiseram destacar o seu presumido ponto forte contra a tradição européia e cristã. É uma frase que explica o delírio que levou, recentemente, alguém a encher de explosivos a mochila de uma criança inconsciente, e que move os camicases que estão ensangüentando o mundo. É uma frase que, de modo provocador, nos pergunta o quanto amamos a vida. De fato, o amor à vida é colocado sob dura prova, em tempos como este. Prevalecem os medos, o fechamento dentro dos próprios interesses e, no fundo, lúgubre pessimismo que sob a superfície de distrações coloridas invade o sentimento da existência, estendendo sobre tudo a sombra do nada. Encontramos mil indícios disso na vida social, na cultura e nas escolhas pessoais de muita gente.
Para amar a vida precisamos de uma razão para esperar, para não abandonar o olhar positivo mesmo em meio a grandes provações. Para amar a vida precisamos de algo que a torne sempre agradável, mesmo com a face ferida, e quando parece que não temos mais força para fazê-lo. É preciso que fique claro para o coração e para a mente a razão pela qual a morte - como diz São Paulo - não detém a “vitória”.

Os cristãos crêem na Páscoa. E a Páscoa não é só um rito. É o momento em que se deu a vitória da vida sobre a morte. A vitória que a força de Deus doou à vida do homem. A Páscoa não é um fato passado: é uma história presente, um contínuo re-acontecer de eventos que trazem a razão da esperança à vida do mundo. Os 50 anos de vida de Comunhão e Libertação - que o Papa quis recordar na carta escrita a padre Giussani - foi o “movimento” que para muitas pessoas fez com que a Páscoa entrasse na sua existência e no modo de julgar a vida.
Por isso está escrito no cartaz de Páscoa que foi reproduzido na capa de Passos: “A vida como drama, como luta pelo bem, só é introduzida no mundo por Cristo. Não há nenhuma separação entre a materialidade da existência e Cristo que está conosco, que nos abraça. Estamos bem cientes da nossa fragilidade humana, que nos identifica com todos os homens, mas também da certeza em Cristo, que nos diferencia de todos os homens, e portanto da letícia e do otimismo que explicam a repetição inesgotável das nossas tentativas: sempre em luta”.
Hoje, em um tempo tão difícil, olhar para a Igreja - lugar da vitória de Cristo sobre a morte - e com ela rezar Àquele que é a nossa paz, é o modo mais adequado, mais apaixonado pela vida, para expulsar os pesadelos da noite, para julgar os fatos que acontecem com abertura e inteligência, e para sustentar a esperança dos homens.