Passos N.57, Dezembro 2004

Um encontro humano no qual Deus está presente

Vivemos num tempo que muitos traduzem por crise. Nas análises referentes às mudanças sociais, tanto as antropológicas quanto as econômicas, aparece com freqüência o sentimento de que uma época está se exaurindo. E o novo que surge no horizonte costuma ter os traços inquietantes da luta, das mudanças descontroladas e caóticas, e do possível e cada vez mais sofisticado domínio do homem sobre o homem. Dos vários campos das pesquisas científicas e da geopolítica vêm sinais contraditórios e plenos de incertezas.
Nessa situação, falar de Natal parece vão, distante. No máximo, ele nos é proposto como a celebração ocasional de um bom sentimento, para expulsar o medo: um muro de sonhos construído por um dia diante da realidade cruel.
No entanto, durante séculos a memória do acontecimento cristão – o nascimento de Cristo, o Deus feito homem – foi o ponto de partida para se compreender o valor absoluto da pessoa e, portanto, da história humana. O nascimento de Jesus foi o impulso para um novo recomeço, para uma nova retomada, mesmo em meio às provações ou depois da derrota.

De fato, se Deus se comoveu a ponto de se tornar uma criança entre nós, significa que há algo que vale a pena. Significa que o homem não é um acidente, um erro no caos do universo.
Do nascimento desse Menino depende a consciência que o homem tem de si. E, portanto, o sentido das suas ações.
Uma civilização que perdeu o sentido potente, a comoção integral, racional e afetiva pelo acontecimento do Natal, perdeu o senso do início. E por isso, durante as crises, sente-se mais vulnerável e perdida.
O início da vida está na vida, não num discurso sobre ela. Jamais a retórica ou os escrúpulos deram início a uma experiência positiva. Antes, criaram tiranias e sacrificaram, em troca de uma idéia que se pretendia justa, a vida real de tantas pessoas.

No início do cristianismo não temos “um discurso” – lembrou padre Giussani em recente entrevista – mas “um ato de vida”. Temos uma criança, a carne indefesa de um Deus que pede para entrar em relação com os nossos corpos e as nossas mentes, com a nossa razão e o nosso afeto. No início não há um ato de império. Há a liberdade de Deus que se encontra com a liberdade do homem: um desafio generoso. A partir desse espetáculo – do qual os nossos presépios são a tradução elementar e comovida – sempre se pode iniciar a aventura humana na história. Na grande história dos séculos e na grande história cotidiana de cada um.
A Igreja, guiada pelo Papa, é feita de gente para quem o Senhor não é passado, mas uma experiência presente que muda a vida.

Margherita Coletta, viúva do militar italiano que foi morto há um ano em Nassíria (Iraque), entrevistada pela TV depois da audiência que lhe foi concedida por João Paulo II na quarta-feira, 17 de novembro, disse: “Vê-lo foi como encontrar-me com Jesus. Isso me deu muita força”. Um encontro humano no qual Deus está presente. Eis o cristianismo.
Bom Natal a todos.