Passos N.77, Novembro 2006

O Papa desafia a todos nós sobre a razão

A recente onda de acusações contra o Papa Bento XVI, por ter feito um chamado para um uso adequado da razão e por um reto relacionamento entre razão e fé, afeta a todos nós. É a mesma acusação que Dom Giussani e muitos outros tinham que ouvir toda vez que propunham um relacionamento entre razão e fé diferente daquele fixado pela ideologia iluminista ou pelo fideísmo.
Era o primeiro dia de aula, contava Dom Giussani. Ele entrava pela primeira vez, na metade dos anos 50, no Liceu Berchet de Milão, que se orgulhava de ser o centro da intellighenzia laica da cidade, e um aluno o intimou a deixar de lado esse discurso sobre razão e fé, pois ambas não se coadunavam. Foi aí, nesse desafio para explicitar o laço que existe entre ambas, que teve início a aventura do Movimento Comunhão e Libertação. Portanto, o ataque a Bento XVI não aborda temas novos; novo é apenas o contexto em que dramaticamente eclode. Nas colunas escritas pela mídia laicista e pelos fundamentalistas fomenta-se o mesmo desprezo pela proposta papal. A mesma vontade de não aceitar o confronto. Mistificando, escondendo.
Estão ocultando as palavras do Papa para não ter que enfrentar a questão que ele está colocando para todos, para o Oriente e o Ocidente. Mas a questão continua de pé e está fincada no centro da vida de cada um de nós e da nossa sociedade. O que é a razão? E o que é a fé? Conseqüentemente, o que significa dizer que a fé – qualquer que seja ela – se for vivida desligada da razão e da liberdade, é um contra-senso e uma fonte de violência (grande ou pequena)? O que significa dizer que a fé não é uma atitude irracional, ou seja, que tem a ver com o conhecimento das coisas e da própria existência, com o estilo de vida, com as escolhas de uma sociedade? Talvez ainda existam espíritos livres que estejam dispostos a acolher essas antigas e novas questões.
A resposta à posição do Papa foi, muitas vezes, instrumental: há os que não viam a hora de pintá-lo como uma cruzada antiislâmica, e os que sonhavam em elencá-lo entre os inimigos que põem em perigo a paz. Ou, pior, algumas vezes a resposta foi até mesquinha. Sem falar do silêncio eloqüente de Governos e Estados.
Enquanto crescia no meio do povo a curiosidade para entender o que estava acontecendo – quantos, nas escolas, nas universidades e na saída das missas, leram a declaração de padre Carrón e o texto do Papa distribuídos pelo Movimento a centenas de pessoas em diversas partes do mundo –, entre os escribas e os poderosos predominava o interesse de não deixar espaço. Melhor um mundo dividido entre fideístas e racionalistas que, nos acontecimentos da vida e da sociedade, apostam na discussão, mas evitam o confronto com a realidade das coisas. Assim, fica mais fácil governar.
Tudo fica mais cômodo se os homens não forem educados para o uso correto da razão, isto é, não perguntarem o porquê de tudo o que acontece. Enquanto isso, o Papa, como homem de fé e de razão, apela a todos por um confronto com a sua experiência humana, por amor à verdade. E o fez com a simplicidade e a coragem de quem funda toda a sua pessoa na amizade com Cristo. A única que nos torna livres.