Passos N.79, Fevereiro 2007

A inextinguível positividade que domina o coração do Papa

A viagem de Bento XVI à Turquia foi uma viagem de testemunho. Uma viagem contra a inimizade. O Papa não só enfrentou e abordou questões espinhosas da nossa época – relação entre identidades diversas, liberdade religiosa, direitos humanos, ecumenismo e grandes questões geopolíticas –, mas também mostrou, com gestos e palavras, como um homem de fé enfrenta tais problemas. Que são, em escala maior, os mesmos dilemas – favorecidos pelo mal que gera a inimizade – com que nos debatemos dia a dia, dentro e fora de nós. Com gestos e palavras mostrou, testemunhou, a inextinguível positividade que domina o coração de um cristão e que o faz lançar-se sempre na construção do bem. Analistas e simples cidadãos – turcos, árabes ou ocidentais – notaram como o Papa foi simples e direto. E como ele, seguro da própria fé e da própria responsabilidade, foi acolhedor e mostrou-se aberto ao diálogo, pronto para encontros verdadeiros. A fonte de tal atitude não está numa estratégia de comunicação, nem numa posição política. A fonte é a paz da fé.

Mas o que é a paz do homem de fé? Uma espécie de tranqüilidade imperturbável? Ausência de conflitos? Estar acima das contradições da História? Ele próprio falou disso à pequena comunidade cristã, que vive nesses mesmos locais visitados por São Paulo e habitados por Maria. “Ele é a nossa paz”, foi o lema escolhido pelo Papa para a sua viagem apostólica. E comentando o trecho de Paulo, onde o Apóstolo dos gentios usa essa expressão, Bento XVI disse: “Inspirado pelo Espírito Santo, Paulo afirma não somente que Jesus Cristo nos trouxe a paz, mas que ele é a nossa paz. E justifica tal afirmação referindo-se ao mistério da Cruz: derramando ‘o seu sangue’ – diz ele –, oferecendo em sacrifício a ‘sua carne’, Jesus destruiu a inimizade ‘em si mesmo’ e criou ‘em si mesmo um só Homem Novo’ (Ef 2,14-16). O Apóstolo explica em que sentido, verdadeiramente imprevisível, a paz messiânica se realizou na própria Pessoa de Cristo e no seu mistério salvífico. (...) Esse ‘mistério’ se realiza, no plano histórico-salvífico, na Igreja, esse Povo novo no qual, derrubado o velho muro de separação, se encontram em unidade judeus e pagãos. Como Cristo, a Igreja não é só instrumento da unidade, mas é também seu sinal eficaz. E a Virgem Maria, Mãe de Cristo e da Igreja, é a Mãe desse mistério de unidade que Cristo e a Igreja inseparavelmente representam e constroem no mundo e ao longo da história”.

O mal que nos aflige foi vencido em Cristo, que também o experimentou, mas não se deixou dominar por ele, pois sua relação com o Pai era muito mais forte.

O testemunho do Papa, que agora todos vêem como homem de paz, nasce da redescoberta do significado do Batismo. Nós experimentamos, todo dia, o quanto é forte e corrosiva a inimizade. Para muitos, ela representa a verdadeira e definitiva face da vida humana. Tomada pela inimizade, a vida se debate inutilmente na construção de vínculos, de leis e de costumes que limitem os seus danos. E que terminam por garantir ao mais forte uma existência não atormentada por tantos problemas. O Batismo subverte essa visão. Não entrega a vida à inimizade, ao amargo sabor e ao comportamento gerados por ela. Antes, extirpa sua raiz.

Recebendo o sacramento do Batismo”, disse ainda o Papa na Catedral de Istambul, “mergulhamos todos na morte e ressurreição do Senhor, ‘fomos todos saciados pelo único Espírito’, e a vida de Cristo tornou-se a nossa, a fim de que vivamos como ele, afim de que amemos os nossos irmãos como ele nos amou (cf. Jo 13,34)”. O testemunho do Papa é o mesmo de muitos simples cristãos que descobrem o sentido do próprio Batismo: quando um homem deixa entrar em si a positividade que é Cristo, a vida se torna uma presença original e não mais uma mera reatividade às circunstâncias. A viagem toda foi uma prova disso, convocando os cristãos para a difícil missão de serem colaboradores da vontade do Pai, que quer o bem para o mundo. E apelando para que saboreemos, no presente, o gosto da vitória sobre o mal, ao longo da estrada assinalada por Bento XVI: “A Boa Nova não é apenas uma Palavra, mas uma Pessoa, o próprio Cristo!”.