Passos N.88, Novembro 2007

Olhar juntos para exemplos concretos

Mesmo na confusão que domina o cenário político nacional e internacional, e até mesmo na “fragmentação e desorientação” que afetam a “unidade da pessoa”, na origem do empenho político há um fator que misteriosamente pulsa. E resiste.

Dom Giussani, num discurso feito há vinte anos, mas que hoje, se possível, é ainda mais atual, definia-o simplesmente assim: “O senso religioso”. Ou “aquele elemento dinâmico que, por meio das demandas, das exigências fundamentais pelas quais ele se manifesta, guia a expressão pessoal e social do homem”. E as exigências são aquelas de todo mundo: verdade, justiça, felicidade... Senso religioso, portanto. Ou coração. É daí que se pode partir.


Com atenção, porque o risco é que, entre tantas demandas justas e legítimas a que os políticos não sabem responder, terminemos por pretender da política algo que ela não pode dar: a realização total da pessoa. Seria um erro trágico. A salvação não virá de palavras que se transformam em partido – mesmo que se trate de palavras nobres, como “democrático” e “liberdade” – nem de slogans raivosos que tomam conta das praças. Pois não há saída que não parta dali, do reconhecimento paciente e cotidiano de que, acima dos interesses egoístas e das reações exasperadas, há ainda algo muito maior, pelo qual vale a pena viver e arriscar. Um desejo de bem que atinge a todos. Um “bem comum”, justamente.


Se há uma diferença em relação ao passado é justamente essa. Antes, tudo isso era evidente. Nós nascíamos e crescíamos em um clima onde tudo isso era óbvio, estava implícito.

E que foi perdendo força. Agora, perdeu de vez. Para reconhecê-lo, precisamos de passos, de uma companhia que nos mostre a estrada, de educação.

Sobretudo, precisamos de exemplos concretos, de obras, de nomes, histórias, que partam do sentido religioso e se preocupem com o bem de todos. Obras que não prometam soluções totais aos problemas, mas que coloquem os homens – todos os homens – em condição de buscá-las, livremente.

Apoiar essa educação, buscar esses exemplos e cultivá-los, fazer com que vivam e se ampliem, é a primeira tarefa que cabe a quem se ocupa da coisa pública. Tarefa quase ascética, porque haverá sempre a tentação de sufocá-los, reduzindo-os a instrumentos de poder ou misturando-os com coisas descartáveis. E dramático, porque coloca em questão a liberdade do político, inclusive frente ao próprio partido.

Se educar é um risco, fazer política também o é. Mas entre política e antipolítica, nós estamos com aqueles que ainda preferem correr o risco.